CPaS-1 – Coletive de Pesquisa em Antropologia, Arte e Saúde Pública

Não é raça ?

por Beatriz Oliveira

escrevo porque ninguém quer me escuta, escrevo por falar demais, escrevo muito mal, escrevo porque um dia você me falou que eu deveria escrever, porque a Glória Azaldúa escreveu uma carta para mulheres como eu, do terceiro mundo, e nos disse que precisamos escrever para nos esvaziar, colocar nossas tripas no papel.

veja só estou aqui, acabo de fazer 21 anos, estou no terceiro ano da melhor faculdade da América latina e não consigo me alegrar, qual a graça de estar forçando a existência em um lugar que não foi feito para mim, eu não consigo nem mesmo fingir que não, diariamente nos últimos 3 anos eles me lembram que sou uma mulher negra, eles me enxergam, me tocam, me escutam e tudo que veem é uma negra, isso uma negrinha, opa não! eles sabem que não podem falar assim.

eles usam palavras bonitas, eles me infantilizam, como quem abaixa para ficar do tamanho de uma criança, eles falam diferente para ver se eu entendo ou fazem questão de me tratar diferente, pois eu sou negra. outro dia estive em uma reunião, enquanto mostrava-lhes que o racismo institucional do qual eles fazem parte, são peça integrante, concursados e ricos, matava e enlouquecia alunos negros, eles me olhavam e com calma tentavam me convencer que não era racismo.

é assim nos últimos anos, somente eu vejo racismo, somente eu sinto, somente eu percebo as ‘nuances’ e quando eu falo ainda sou só eu, começo a me pergunta, me questionar, será ser realmente isto que estou vendo? será que escutei direito? será que… eles venceram mais uma, já não tenho certeza se realmente é racismo, ja não sinto certeza se é sobre minha pele, já não sei… como irei combater o que não sei?

eles venceram, me enlouqueceram.

talvez não seja racismo o fato de eu ser uma das poucas alunas negras na sala, ou a única em diversos espaços da graduação, ou o fato de uma funcionária ter me dito que a usp não é lugar para cotista. talvez não seja racismo ou pacto da branquitude eu ter professores se recusam a combater racismo de forma real, ou o fato de nenhum professor ser negro naquele lugar, talvez não seja racismo nada disso, talvez eu ache demais.

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