CPaS-1 – Coletive de Pesquisa em Antropologia, Arte e Saúde Pública

Rolê de Preta SP

Me chamo Beatriz Sampaio, tenho 26 anos e sou aluna do primeiro ano do curso de Saúde Pública. Eu faço parte de um coletivo de mulheres negras chamado Rolê de Preta SP. A ideia de fazer uma breve etnografia sobre esse coletivo surgiu na aula de Antropologia da Saúde, ministrada pelo professor Zé Miguel. A princípio eu não fazia ideia do que era uma etnografia e qual o objetivo dela, porém quando o Zé disse que uma etnografia nasce a partir de algo que nos causa estranhamento eu pensei: “Porque eu estou num coletivo só de mulheres negra para dar rolê?”.

Como pessoa não-branca, com histórias diferentes sobre como o racismo me atravessou e atravessa durante toda uma vida, sei o quanto me senti só durante minha trajetória, e sobre amizades não seria diferente. Me identifiquei com o coletivo Rolê de Pretas por um único motivo: mulheres negras reunidas fazendo rolê e reivindicando seu direito de ser feliz. Você deve estar se perguntando: “O que é o rolê de pretas?”. O rolê de pretas foi criado por Esther Vieira, de 27 anos, mulher negra, especialista de conteúdo de LikedIn e moradora de Carapicuíba, região periférica da zona oeste de São Paulo. Criou sozinha,a princípio, um grupo pelo Whatsapp a partir do comentário de uma mulher no grupo de
facebook Share Your Pretas – grupo virtual voltado somente para mulheres negras – em que dizia que não tinha companhia para ir à uma amostra de cinema. Como já era um grupo de meninas negras, só uniu os dois: rolês + mulheres negras. Porém a criação desse grupo também tem um significado pessoal para a Esther, pois na época ela estava vivendo longe dos amigos, numa cidade periférica que tem pouco fomento à cultura,
além de se sentir sozinha durante os dois anos de pandemia. Ela diz que o grupo foi um abraço para ela e por não aceitar mais a condição de se sentir sozinha, o coletivo nasceu.
O coletivo carrega consigo a ancestralidade dos quilombos e do movimento de se aquilombar. Segundo Beatriz Nascimento (1995), em “O conceito de quilombo e a resistência cultural negra”, o quilombo é um marco na capacidade de resistência e organização do povo negro para a manutenção de sua identidade pessoal e histórica. É sinônimo de povo negro, de comportamento negro e esperança para uma melhor sociedade, sendo um instrumento ideológico e de resistência contra as formas de opressão. O quilombo é um fenômeno que sobrevive no inconsciente coletivo dos
negros e da inteligência brasileira.
A partir disso, o coletivo busca construir uma comunidade fortalecida através do aquilombamento de mulheres negras, sendo um espaço não só para dar rolês, mas de construção coletiva de relações férteis e sólidas, de possibilidades, de colaboração, respeito, empatia e afeto. A comunidade é formada pela pluralidade de mulheres negras (pretas e pardas), de múltiplas origens e subjetividades. Mães, mulheres gordas, transexuais, homossexuais, retintas, de pele clara, do cabelo liso ao cabelo crespo.
Mulheres com carreiras sólidas, em formação ou conquistando diplomas nas universidades, mulheres em busca de sonhos e melhorias para si e suas famílias. O rolê de pretas acontece majoritariamente através do grupo de Whatsapp, e hoje conta com mais de 100 participantes, além de possuir uma página no Instagram. Lá combinamos de ir a eventos culturais, musicais, terreiros, ou mesmo sentar para tomar uma cerveja em algum bar e conversarmos sobre qualquer coisa. São encontros que trazem cura, fortalecimento, união, alegria, apoio, acolhimento, risadas e afeto, já que o afeto nos é negado há séculos, desde que nossos ancestrais foram brutalmente raptados da África para serem escravizados em terras brasileiras. Como povo, trazemos muitas dores e processos que precisam ser curados, logo, esse coletivo/quilombo/comunidade nos presenteia com a possibilidade de reconstruir algo que nos foi tirado. A premissa para a troca no coletivo é acolher, incluir e respeitar cada mulher presente, já que não estamos todas no mesmo nível de conhecimento. Assim, acredito que este é um quilombo que nossos ancestrais reservaram para nós, para que continuemos resistindo e mantendo nossa identidade pessoal e histórica vivas.

8 comentários em “Rolê de Preta SP”

  1. Como membro do grupo, me senti representada em cada palavra do seu texto. Esse espaço de aquilombamento é muito necessário, e tenho a certeza que faz a diferença para muitas de nós. Parabéns pelo texto!

  2. Muito obrigada Beatriz por colocar em palavras tudo o que eu sinto por fazer parte deste coletivo tão importante. O rolê de pretas me cura todos os dias, me fez conhecer pessoas incríveis e sentir como é importante pertencer.

  3. Esther Vieira Orue

    O rolê de preta é a nossa comunidade de acolhimento, afeto e muita diversão. É nele que desabafamos, somos nós mesmas, nós ajudamos, compartilhamos vagas de emprego, fazemos vaquinhas. A criação dele para rolês foi um meio que tem um fim muito maior e potente. Só posso agradecer a todas que fazem parte e a Beatriz pela sensibilidade em estudar a gente e transmitir esse estudo acadêmico de uma maneira tão incrível. Parabéns!

  4. Primeiramente, quero parabenizar pelo texto muito bem redigido, e segundo, como participante do coletivo dizer que Beatriz conseguiu resumir muito bem a essência desse grupo. Emocionante participar de algo tão forte e o texto transmite bem isso.

  5. Nunca me senti tão pertencente à um lugar do que o rolê de pretas. Eu só tenho a agradecer as criadoras do projeto por ter me dado o privilégio de fazer parte e criar histórias incríveis com mulheres maravilhosas.

  6. Nunca me senti tão pertencente à um lugar do que o rolê de pretas. Eu só tenho a agradecer as criadoras do projeto por ter me dado o privilégio de fazer parte e criar histórias incríveis com mulheres maravilhosas.

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