Reportagem da jornalista especializada em comida Bee Wilson cita o pesquisador Carlos Monteiro e a classificação NOVA de alimentos

Na língua inglesa, o termo junk food é usado para classificar alimentos que, no Brasil, chamaríamos de “besteiras”, como chocolates muito açucarados ou sanduíches de redes de fast food. Geralmente, estas opções não oferecem um grande valor nutricional. Outros alimentos transmitem uma aura mais saudável: caso do pão ou de cereais. Dependendo de seu grau de processamento, no entanto, todas estas opções podem ser classificadas em um único grupo. O grupo dos ultraprocessados.

Foi esta a percepção da jornalista britânica Bee Wilson, repórter do Guardian, o maior diário do Reino Unido. Especializada em assuntos relacionados a comida, a repórter publicou, na última semana, um texto no qual analisa a ascensão dos ultraprocessados na alimentação da comunidade britânica, e as evidências científicas que relacionam estes alimentos a uma maior incidência de doenças crônicas, como diabetes e obesidade. Na reportagem, a própria jornalista conta sua experiência pessoal sobre como este tipo de alimento a fazia comer em maior quantidade — mesmo quando o alimento era o pão ou os cereais que, a princípio, não são vistos como junk food.

Hoje, os ultraprocessados ocupam mais da metade das calorias consumidas nos Estados Unidos e no Reino Unido. Para explicar ao leitor a definição exata de ultraprocessado, Wilson explora os conceitos da classificação NOVA de alimentos, criada por Carlos Monteiro, coordenador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), ligado à USP. Ela pontua com clareza as ideias desenvolvidas pelo Nupens e publicadas no Guia Alimentar da População Brasileira, destacando que, diferente da recomendação em relação aos ultraprocessados, os alimentos processados podem compor refeições saudáveis, desde que combinados com alimentos in natura e ingredientes culinários (como sal, açúcar e óleos).

Evidências científicas

Na mesma publicação, a jornalista relembra a história por trás da pesquisa que levou Monteiro a estabelecer os critérios da NOVA. Na época, pesquisas mostravam que a população brasileira comprava cada vez menos açúcar — mesmo assim, a incidência de obesidade e diabetes tipo 2 só aumentava. Dados sobre o consumo de alimentos, obtidos desde a década de 1980, explicavam o fenômeno: ao longo das últimas décadas, o brasileiro passou a cozinhar menos e a aderir cada vez mais aos alimentos ultraprocessados, que, não raramente, contêm grandes quantidades de sal, açúcar e gordura.

Bee Wilson explica que, inicialmente, a ideia de Monteiro não foi bem recebida por toda a comunidade científica, sendo o pesquisador Kevin Hall, do Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Renais e do Sistema Digestivo dos EUA, um dos desconfiados. As dúvidas em relação ao potencial nocivo os ultraprocessados não duraram muito tempo.

No ano passado, Hall concluiu uma pesquisa na qual reuniu, por um mês, dois grupos de dez pessoas cada em uma clínica. No experimento, os participantes passaram duas semanas comendo refeições compostas por ultraprocessados e outras duas semanas baseando sua alimentação em opções in natura, sendo próximas às quantidades de calorias e macronutrientes entre as duas dietas. O resultado foi claro: quem comeu ultraprocessados teve consumo de, em média, 500 calorias a mais, engordando cerca de um quilo. A dieta in natura teve efeito oposto, fazendo, com que os participantes perdessem um quilo.

Existem diversas teorias para explicar o mecanismo que faz com que o consumidor tenha ingestão calórica maior quando se alimenta de ultraprocessados. Uma delas é a facilidade na mastigação, já que estes alimentos costumam ser macios, oferecendo uma deglutição mais rápida. Outras teorias citam o poder da comida in natura de estimular o organismo a liberar um hormônio que causa sensação de saciedade. As respostas dependem de pesquisas científicas, como as de Hall e Monteiro. Uma conclusão, no entanto, é inegável: o caminho para uma vida mais saudável passa por uma redução drástica de alimentos ultraprocessados, e por um consumo maior de opções naturais.

Leia a íntegra artigo de Bee Wilson publicado no Guardian (em inglês).