“Descobertas marcantes de que o processamento de alimentos faz, sim, uma grande diferença no quanto uma pessoa come” – Dariush Mozaffarian, diretor da Friedman School of Nutrition Science and Policy, Tufts University



Exemplos de almoços com alimentos in natura e minimamente processados e ultraprocessados servidos durante o estudo do National Institutes of Health, liderado por Kevin Hall. À esquerda: alimentos in natura e minimamente processados (salmão, feijão-verde com azeite de oliva, batata-doce assada e iogurte grego natural com morangos congelados de sobremesa). À direita: alimentos ultraprocessados [hambúrgueres com queijo americano, batatas fritas, ketchup, limonada diet (industrializada) com fibra adicionada].

Qual é a causa dietética do sobrepeso e da obesidade, atualmente condições pandêmicas e que aumentam rapidamente em todo o mundo, principalmente em países de baixa e média renda? (1). Estudo recém-publicado na Cell Metabolism (2), revista com enorme fator de impacto (20,55), mostra que trocar uma dieta com alimentos minimamente processados e rica em frutas, hortaliças, grãos, carne fresca e peixe, por uma dieta baseada em alimentos ultraprocessados aumenta o consumo de energia, além de causar aumento de peso.

Com a publicação do estudo na Cell Metabolism,os resultados do experimento ganharam cobertura maciça da mídia internacional. Para ilustrar, houve publicação da Business Insider,um site de notícias de negócios e finanças norte-americano que tem edições internacionais nos principais países europeus e asiáticos, Austrália e África do Sul. Seu engajamento digital é considerado tão alto quanto o do Wall Street Journal (3). Em reportagem de destaque, a página informava na semana passada: “Um estudo inovador do National Institutes of Health revelou que pessoas consumindo dietas ricas em ultraprocessados ingeriram mais calorias e ganharam mais peso do que quando consumiram alimentos menos processados que tinham a mesma quantidade de nutrientes” (4). O National Institutes of Health (NIH) é a agência do governo dos Estados Unidos responsável por liderar a pesquisa em saúde pública e biomedicina.

Essa descoberta não é inédita. Muitos estudos publicados na área de nutrição  utilizando a classificação NOVA, desenvolvida desde 2010 na Universidade de São Paulo, em colaboração com equipes de pesquisa de vários países (5), mostram esse efeito. O impacto desse novo estudo? Trata-se de um ensaio controlado randomizado (ECR), o tipo de experimento geralmente considerado no meio científico como o melhor para mostrar relações de causa e efeito. Liderado por Kevin Hall, do National Institute of Diabetes, Digestive and Kidney Diseases do NIH, envolveu o trabalho de 24 co-investigadores na Metabolic Clinical Research Unit do NIH. É o primeiro ECR a comparar os efeitos do consumo de dietas constituídas exclusivamente por alimentos não ultraprocessados ​​e constituídas quase inteiramente (83% da energia total da dieta) de alimentos ultraprocessados.

Como explicou Francis Collins, o director do NIH, Hall e sua equipe utilizaram a “a classificação dietética NOVA. Esse sistema categoriza os alimentos com base na natureza, na extensão e no propósito do processamento de alimentos, e não no conteúdo em nutrientes” (6). Conforme explicado detalhadamente pela Business Insider, NOVA “classifica tudo o que comemos em uma de quatro categorias: não processados ​​ou minimamente processados, ingredientes culinários processados, alimentos processados ​​e produtos (bebidas e alimentos) ultraprocessados” (4). A Business Insider também publicou um vídeo mostrando exemplos de alguns produtos ultraprocessados ​​e os ingredientes que eles contêm (7).

As duas dietas utilizadas no ECR foram desenhadas de modo que seus perfis de nutrientes fossem praticamente idênticos, com as mesmas quantidades de energia, gorduras, carboidratos (amidos, açúcares, fibra dietética), proteínas e outros nutrientes. Os 20 participantes, 10 homens e 10 mulheres, com pouco mais de 30 anos, foram tratados como pacientes hospitalizados, não podendo deixar a instalação. Eles recebiam o dobro da quantidade de comida de que necessitavam para manter o peso, para que pudessem comer o quanto quisessem até que se sentissem satisfeitos, e se exercitavam todos os dias durante uma hora. As refeições foram apresentadas de forma atraente, como fica evidente na imagem mostrada no início deste texto, e os participantes classificavam em relação ao quão familiar e agradável cada refeição era. Todos os participantes comeram um tipo de dieta por duas semanas, e depois mudaram para a outra dieta nas duas semanas subsequentes.

“O objetivo original do nosso estudo foi investigar se a composição nutricional dos alimentos, ou o nível de processamento deles, leva as pessoas a comerem demais”, disse Hall a Sally Wodyka, do Consumer Reports (8). “Pensei que se equiparássemos os nutrientes, a ingestão de calorias seria praticamente a mesma, independentemente do nível de processamento. Mas eu estava errado.”

Em entrevista a Mandy Oaklander, da revista Time (9), Hall disse: “É o primeiro teste que realmente mostra uma relação de causa entre alimentos ultraprocessados ​​– independentemente dos nutrientes contidos ali – e as pessoas comerem demais e ganharem peso”. O resultado do experimento mostra que consumir uma dieta composta quase inteiramente por alimentos ultraprocessados evidentemente leva as pessoas a comerem mais e a ganharem peso quando comparada a uma dieta composta por alimentos in natura e minimamente processados. Com a dieta ultraprocessada, os participantes do estudo comeram, em média, 508 calorias a mais por dia e ganharam, em média, mais de 900 gramas de peso corporal em duas semanas. Com a dieta de alimentos in natura e minimamente processados, os participantes reduziram os respectivos pesos corporais em cerca de 900 gramas no mesmo intervalo de tempo.


Na dieta ultraprocessada, os participantes do experimento, em média, consumiram mais de 500 calorias a mais por dia, o que fez aumentar o peso corporal. Já a dieta com alimentos in natura e minimamente processados fez diminuir o peso corporal. A gordura corporal também aumentou na dieta ultraprocessada e diminuiu na dieta com alimentos in natura e minimamente processados. Os perfis nutricionais de ambas as dietas eram praticamente idênticos.

Dariush Mozaffarian, diretor da Friedman School of Nutrition Science and Policy, da Tufts University, em conversa com Maria Godoy, da US National Public Radio (10), disse: “Estas são descobertas marcantes de que o processamento de alimentos faz, sim, uma grande diferença no quanto uma pessoa come. Colocar pessoas em um ambiente controlado e ofertar-lhes comida permite que você realmente entenda biologicamente o que está acontecendo, e as diferenças são impressionantes.”

O pesquisador e professor em nutrição Barry Popkin, da University of North Carolina, que não esteve envolvido no estudo, em entrevista a Anahad O’Connor, do New York Times (11), e a Maria Godoy (10), da US National Public Radio, afirmou: “A diferença em ganho de peso para um grupo e em perda de peso para o outro durante esses dois períodos é fenomenal. Este é um estudo muito importante e um grande desafio para a indústria global de alimentos e para a ciência dos alimentos”.

“Eu não esperava resultados tão impressionantes”, disse Kathleen Page, endocrinologista especializada em diabetes e obesidade infantil da University of Southern California, que também não esteve envolvida no estudo de Hall. Ela falou para Emily Baumgaertner, do jornal Los Angeles Times (12): “Consumir muito mais comida sem considerá-la mais palatável ou agradável – não acho que eles [os participantes do estudo] percebam que estão consumindo em excesso.”

Os alimentos ultraprocessados, em média, contêm mais açúcar e gordura do que outros tipos de alimentos. No entanto, o novo estudo mostra que esse não é o único motivo para o ganho de peso. Então, quais são as outras razões que associam os ultraprocessados ao aumento de peso? Uma hipótese é a de que esses alimentos, por serem macios e fáceis de comer, foram consumidos pelos participantes mais rapidamente. Como Hall explicou a Mandy Oaklander (9), de acordo com essa hipótese, “você não está dando tempo suficiente para o intestino indicar ao cérebro de que já tem calorias suficientes e que está cheio e, portanto, pode parar de comer. No momento em que o cérebro recebe o sinal, é tarde demais – você já comeu em excesso.”

Outra hipótese sobre o ganho de peso causado pela dieta ultraprocessada é a de que os métodos de processamento utilizados​, incluindo o uso de aditivos alimentares, são a causa. Uma terceira teoria é a de que muitos alimentos ultraprocessados ​​são projetados para serem consumidos em excesso, tornando-se até mesmo viciantes, como confessaram executivos da indústria alimentícia a Michael Moss em seu livro de 2013, Sal, Açúcar e Gordura (13).

Em apoio à segunda e à terceira teorias relacionadas, Hall disse a Maria Godoy, da US National Public Radio: “Uma coisa intrigante no estudo foi que alguns dos hormônios envolvidos na regulação da ingestão de alimentos dos participantes diferiram muito entre as duas dietas, em comparação com a linha de base” (10). Quando os participantes ingeriam a dieta minimamente processada, apresentavam níveis mais elevados do hormônio PYY (peptídeo tirosina tirosina), secretado pelo intestino para reduzir o apetite, e níveis mais baixos de grelina, um hormônio da fome. Esta poderia ser a razão fisiológica pela qual eles consumiram menos energia. Na dieta ultraprocessada, os participantes apresentaram níveis mais baixos do hormônio supressor do apetite e níveis mais altos do hormônio da fome.

“Não é uma questão de força de vontade; afinal, estamos vivendo em um ambiente alimentar manipulado”, disse Ashley Gearhardt, professor-associado de psicologia especializada em vício em alimentos da University of Michigan, também não envolvida no estudo, em conversa com Katherine Wu, da US Public Broadcasting Service (14). “Os alimentos ultraprocessados são novidade, estamos apenas começando a entendê-los. Não consigo pensar em outro estudo que tenha sido bem controlado por tanto tempo. Isso nos permite fazer interpretações muito mais confiantes sobre o que esses alimentos realmente estão causando.”

Carlos Monteiro, líder da equipe de São Paulo que concebeu e desenvolveu a classificação NOVA em consulta com co-investigadores de outros países, também não esteve envolvido no projeto. Falou à revista Discover (15) que Hall “nos deu dois presentes: um está mostrando que existe uma relação causal entre consumo de alimentos ultraprocessados ​​e ganho de peso. A segunda é que a reformulação desses alimentos não funcionará”. Isso é importante, porque uma estratégia atualmente proposta pelos fabricantes de alimentos ultraprocessados ​​altamente rentáveis ​​é ajustar suas formulações, para que contenham mais fibras dietéticas e proteínas e menos açúcar e/ou gordura e/ou sal. Mas agora fica evidente que não são apenas os perfis nutricionais de alimentos ultraprocessados ​​que causam ganho de peso, sobrepeso e obesidade. Reformulados, permanecerão ultraprocessados.

Enquanto isso, para os consumidores, “o melhor conselho é limitar o máximo possível o consumo de alimentos ultraprocessados”, disse Qi Sun, professora-assistente de nutrição da Harvard TH Chan School of Public Health, falando com Sally Wadyka, da Consumer Reports (8): “O que todas as dietas saudáveis ​​têm em comum é que elas enfatizam o consumo de alimentos in natura e minimamente processados”. O diretor da NIH, Francis Collins, concorda: “Parece que uma boa forma de alcançar ou manter um peso saudável é trabalhar para eliminar ou reduzir ultraprocessados da dieta, substituindo por uma variedade balanceada de alimentos não processados” (6).

Referências

  1. Monteiro C, Moubarac J-C, Cannon G, et al. Ultra-processed products are becoming dominant in the global food system. Obesity Rev 2013, 14, supp 2, 14-21. doi: 10.1111/obr.12107
  2. Hall K, Ayuketah A, Brychta R et al. Ultra-processed diets cause excess calorie intake and weight gain: an inpatient randomised controlled trial of ad libitum food intake. Cell Metabolism 2019, 30, 1-10. doi: 10.1016/j.cmet. 2019.05.008
  3. Carr D. Ezra Klein is joining Vox Media as web journalism asserts itself. The New York Times, January 26 2014. https://www.nytimes.com/2014/01/27/business /media/ezra-klein-joining-vox-media-as-web-journalism-asserts-itself.html
  4. Breuck H. Processed foods make us fatter, lead to cancer, and are linked with early death. But what exactly is a processed food? Business Insider, 16 May 2019. https://www.businessinsider.com/what-is-processed-food-2019-5
  5. Monteiro C, Cannon G, Moubarac J-C. et al. The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification, and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutr 2018, 21, 1, 5-17. doi:10.1017/S1368980017000234  
  6. US National Institutes of Health, 21 May 2019. Collins, F. Ultra-processed diet leads to extra calories, weight gain. https://directorsblog.nih.gov/ 2019/05/21/ultra-processed-diet-leads-to-extra-calories-weight-gain/
  7. Business Insider,16 May 2019. This stunning visualization breaks down all the ingredients in your favorite processed foods. https://www.businessinsider.com/ingredients-processed-foods-red-bull-twinkies-doritos-kraft-cheese-2016-10
  8. Wadyka S. Processed foods are bad for weight loss, study shows. Consumer Reports, 16 May 2019. https://www.consumerreports.org/packaged-processed-foods/processed-foods-are-bad-for-weight-loss/
  9. Oaklander M. What eating processed foods for two weeks does to your body. Time, 16 May 2019. http://time.com/5589702/processed-foods-weight-gain-diet/?utm_source=time.com&utm_medium=email&utm_campaign=the-brief&utm_content=2019051710am&xid=newsletter-brief
  10. Godoy M. It’s not just salt, sugar, fat. Study finds ultra-processed foods drive weight gain. The Salt (National Public Radio). 16 May 2019 https://www.npr.org/sections/thesalt/ 2019/05/16/723693839/its-not-just-salt-sugar-fat-study-finds-ultra-processed-foods-drive-weight-gain
  11. O ‘Connor A. Why eating processed foods might make you fat. The New York Times, 16 May 2019. https://www.nytimes.com/2019/05/16/well/eat/why-eating-processed-foods-might-make-you-fat.html
  12. Baumgaertner E. Eating ultra-processed foods will make you gain weight. Here’s the scientific proof. Los Angeles Times, 16 May 2019. https://www.latimes.com /science/la-sci-processed-foods-weight-gain-clinical-trial-20190516-story.html
  13. Moss M. Salt Sugar Fat. How the Food Giants Hooked Us. New York: Random House, 2013. eISBN: 978-0-679-60477-8
  14. Wu K. Ultra-processed foods make us eat more, and it’s not about their nutritional makeup. US Public Broadcasting Service, 16 May 2019. https://www.pbs.org/ wgbh/nova/article/ultra-processed-foods-weight-gain/
  15. Groves A. Processed foods, regardless of nutrition, still cause weight gain. Discover, 17 May 2019. http://blogs.discovermagazine.com/crux/2019/ 05/17/ultra-processed-foods-weight-gain-nutrition-diet/#.XOAz0chKjIU