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Políticas Públicas no Brasil e Sistemas Alimentares

Ouça esse post na voz de Monica Rocha.

No Brasil e em outros países, ainda estamos caminhando na discussão sobre políticas públicas e sistemas alimentares.

Antes as políticas eram fragmentadas, visando problemas separadamente, quando começamos a pensar de uma forma mais sistêmica nos últimos anos, a discussão das políticas públicas para sistemas alimentares ganhou força.

As evidências mostram que nenhuma política sozinha vai dar conta de um problema.

Como por exemplo, da obesidade, que é multifatorial.

São necessárias políticas intersetoriais com ações integradas.

O tema que vamos abordar aqui está baseado no relatório “As cinco dimensões dos sistemas alimentares no Brasil”, produzido pelo Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), que realizou uma revisão de literatura sobre o tema, indicando ações para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis.

Mas afinal do que estamos falando?

Segundo a Organização Mundial de Saúde (2021):

  • mais de 1,9 bilhão de adultos estão acima do peso no mundo. Destes, mais de 650 milhões são obesos.

No Brasil, dados da Pesquisa Nacional de Saúde (2019) mostram que:

  • 41 milhões de brasileiros estão com obesidade, sendo 22% dos homens e 29,5% das mulheres adultas.

Por outro lado,

  • mais de 800 milhões de pessoas enfrentam a fome no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2021).

Uma pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN, 2021) aponta que:

  • 116,8 milhões de pessoas estão em insegurança alimentar no Brasil, sendo que 19,1 milhões passam fome.

Os sistemas alimentares são responsáveis por:

70% da água extraída da natureza,

geram até um terço de gases de efeito estufa

causam 60% da perda da biodiversidade.

Resumidamente, estamos falando de um cenário de sindemia global, que é a sinergia existente entre as três pandemias (desnutrição, obesidade e mudanças climáticas) que coexistem, interagem entre si e compartilham fatores sociais comuns entre suas causas e consequências.

Swinburn et al, 2019

Segundo Swinburn e colaboradores, para atuar nessas três pandemias, existem cinco ciclos que se retroalimentam. As políticas de uma dimensão conversam com as políticas de outras dimensões.

Por isso, a importância de políticas intersetoriais.

Para cada um dos cinco ciclos são sugeridas ações específicas. Vamos ver a seguir?

1. Dimensão dos negócios: as commodities de alimentos para exportação enfraquecem o abastecimento interno.

É necessário priorizar as necessidades de abastecimento do mercado interno, além de valorizar e incentivar a agricultura familiar, promover cadeias curtas de abastecimento e a agroecologia.

Atualmente, temos cinco principais culturas agrícolas que ocupam 70% da área cultivada no país, que são elas: soja, milho, cana, feijão e arroz (IMAFLORA, 2021).

Quando se prioriza a produção em poucos alimentos, isso resulta em uma padronização dos que as pessoas comem e em perda da biodiversidade.

2. Dimensão abastecimento e demanda: a desigualdade no acesso e oferta de alimentos não viabiliza uma alimentação saudável.

São necessárias políticas tais como:

  • a elaboração e implementação de uma política nacional de abastecimento alimentar,
  • garantia de acesso e oferta de alimentos saudáveis e
  • desoneração tributária para a produção e comercialização de alimentos básicos in natura.

Segundo estudos,

a redução do preço de frutas e hortaliças, tanto pelo apoio à cadeia de produção dos alimentos quanto por medidas fiscais, é um promissor instrumento de política pública capaz de aumentar a participação desses alimentos na dieta brasileira.

As previsões indicam que os alimentos não saudáveis se tornarão mais baratos do que os alimentos saudáveis em 2026.

Se reduzimos os preços de frutas, legumes e verduras, estimularíamos o consumo dos mesmos. Porém, observamos uma tendência do aumento ao acesso a alimentos ultraprocessados e cada vez mais baratos.

Algumas iniciativas públicas e da sociedade civil mostram como essas ações são possíveis, como por exemplo,

Projetos como esses são uma garantia da segurança alimentar e nutricional para as comunidades e se tornam uma fonte de renda para os trabalhadores.

Além disso, estimulam circuitos curtos de abastecimento, valorizam a agricultura familiar e a agroecologia.

3. Dimensão ecológica: a produção em larga escala, ligada ao uso intensivo de agrotóxicos, monocultura e pecuária extensiva colaboram diretamente para as mudanças climáticas.

Para mudar esse cenário, é fundamental a implementação de políticas e programas que

  • valorizem as espécies da sociobiodiversidade brasileira;
  • retomem e fortaleçam as políticas públicas de mitigação das mudanças climáticas;
  • e fomentem as práticas agropecuárias de baixo impacto ambiental, tal como: diversificação na produção, incentivo à agroecologia, medidas de controle e redução do uso de agrotóxicos.

A agroecologia avançou a partir de políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa de Alimentação Escolar (PNAE), que são exemplos de práticas intersetoriais que promovem o acesso aos alimentos.

Há exemplos de políticas que contribuem positivamente para se alcançar uma transição para um sistema alimentar sustentável, entretanto, também há retrocessos, como por exemplo, o aumento do uso de agrotóxicos no Brasil. As evidências mostram um aumento do uso e dos diferentes tipos de agrotóxicos.

4. Dimensão saúde: os sistemas alimentares hegemônicos que privilegiam a monocultura e o consumo de alimentos ultraprocessados estão adoecendo a população.

O que poderia ser feito?

Promoção e proteção do aleitamento materno e alimentação complementar

políticas e ações para o desincentivo ao consumo de produtos ultraprocessados

ações de educação alimentar e nutricional

políticas e ações para a promoção e proteção de ambientes alimentares saudáveis, por meio de medidas regulatórias (publicidade, rotulagem e taxação)

Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da UNICEF detalhou práticas de exploração utilizadas pela indústria de fórmulas infantis estimada em 55 bilhões de dólares.

Segundo o documento, mais da metade dos pais, mães e mulheres grávidas está exposta a essas práticas de marketing abusivas que comprometem a nutrição infantil e violam compromissos internacionais.

Além disso, políticas e intervenções alimentares visando reduzir o consumo de produtos ultraprocessados devem considerar a influência dos supermercados no consumo desses produtos.

Um padrão de compra baseado no varejo tradicional constitui uma ferramenta importante para promover uma alimentação saudável no Brasil.

Machado et al,

Ou seja, os supermercados são o principal local de compra dos brasileiros. Destaca-se como esses locais são organizados de forma a induzir a aquisição de certos alimentos.

No caso das medidas regulatórias, os estudos indicam que tributação de bebidas adoçadas, a rotulagem frontal dos alimentos e a publicidade dos alimentos contribuem para sistemas alimentares mais saudáveis.

No Brasil, a rotulagem em formato de lupa foi aprovada em 2020 e pode ser considerada um avanço. Todavia, não existe nenhuma legislação nacional sobre a publicidade de alimentos, além dos diversos conflitos de interesse envolvidos nessa agenda.

5. Dimensão governança: retrocessos nas políticas públicas brasileiras voltadas à segurança alimentar e nutricional (SAN) e ao SISAN minam a transição para sistemas alimentares saudáveis.

Sugere-se:

  • a estruturação de mecanismos de descentralização de Segurança Alimentar e Nutricional para auxiliar estados e municípios a priorizar a transição para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis;
  • definir um código de conduta e processos que previnam conflitos de interesse e a interferência privada nas decisões de interesse público, como espaços multi-atores (multistakeholders);
  • defesa do marco legal brasileiro alinhado ao atendimento de SAN e do Direito Humano à Alimentação Adequada.

Um exemplo de tais práticas com impacto negativo é a interferência de corporações no PNAE e o que ocorreu durante a Cúpula de Sistemas Alimentares da Organização das Nações Unidas (ONU) com a participação da indústria.

Também podemos citar o caso da extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea),

Por fim, uma reflexão:

“Até o momento, nossa compreensão dos sistemas alimentares é incompleta”, afirma o especialista. A maioria dos dados existentes se concentra na agricultura – onde começa a cadeia alimentar. Na outra ponta dessa cadeia, as escolhas individuais e os padrões de consumo são fragmentados. Não temos uma imagem clara da porção intermediária da cadeia: o que está acontecendo entre a fazenda e a mesa?”

James Lomax, gerente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)

Esse texto foi escrito por

Mônica Rocha, nutricionista, mestre em Políticas Públicas em Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz, consultora da ASBRAN, agente PNAE (CECANE UNIRIO), mentora do Sustentarea

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