Vigilância Alimentar e Nutricional na Prática

O PAPEL DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE PARA IMPULSIONAR OS MARCADORES DO CONSUMO ALIMENTAR DO SISVAN

No Brasil, as tendências de excesso de peso são preocupantes e alimentos ultraprocessados roubam o lugar do arroz e feijão no nosso prato.

Gestor e profissional de saúde, venham entender como vocês podem mudar esse cenário, através de um formulário de apenas uma página, que pode ser utilizado nos atendimentos das unidades básicas de saúde, e com o qual é possível obter dados com o potencial de avaliar e promover a alimentação saudável, tanto do indivíduo quanto do país inteiro.

Esta plataforma é resultado de uma pesquisa realizada na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo que se dedicou a compreender e qualificar a utilização dos marcadores do consumo alimentar do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional. Vem com a gente saber mais!

1. Alimentação e saúde no Brasil

O Brasil vive um cenário epidemiológico em que o sobrepeso e a obesidade são muito frequentes, e ainda existem pessoas que sofrem com a desnutrição e a carência de micronutrientes. As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) já atingem mais de 50% da população adulta brasileira, sendo a principal causa de morbidade e mortalidade no país.
Estimativas indicam que a má alimentação – baixo consumo de frutas, verduras e legumes e alto consumo de bebidas açucaradas e carnes processadas, por exemplo – esteve entre as cinco principais causas de mortes atribuíveis em todo o mundo em 2019, sendo associada a:

13,5%

do total de mortes atribuíveis para mulheres

14,6%

do total de mortes atribuíveis para homens

Essa situação está relacionada à maior presença de alimentos processados e ultraprocessados e à diminuição da oferta de alimentos in natura e minimamente processados. O alto consumo de alimentos ultraprocessados é associado à pior qualidade da alimentação, pois implica em uma dieta com maior ingestão de açúcar livre e gordura saturada e menor consumo de fibras, vitaminas e minerais. Isso resultam em maior risco de sobrepeso e obesidade, circunferência de cintura elevada, síndrome metabólica, doenças cardio e cerebrovasculares e depressão.

No Brasil, em 2017-2018:

19,7% das calorias consumidas eram de alimentos ultraprocessados.

Entre adolescentes, essa participação chegou a quase 30% das calorias.

Resultados como estes mostram o grande desafio da organização do cuidado em alimentação e nutrição no Sistema Único de Saúde (SUS). O planejamento das ações de melhoria pode ser impulsionado através do aprimoramento dos sistemas de informação como fontes de monitoramento na atenção nutricional.

Alimentação adequada e saudável é muito importante para a saúde e para a prevenção de doenças. No cenário brasileiro atual, as tendências do excesso de peso trazem a urgência e o desafio de organização do cuidado em alimentação e nutrição no SUS.

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2. A vigilância alimentar e nutricional na atenção primária à saúde

No SUS, a Atenção Primária à Saúde (APS) é a porta principal de entrada dos usuários dos serviços de saúde, promovendo a saúde, prevenindo agravos, e cuidando do tratamento de várias doenças.

A APS pode atender de 80 a 90% das demandas de uma pessoa ao longo da vida.

As UBS são a presença física  da APS, e devem estar localizadas o mais próximo possível da sua comunidade. Os profissionais das UBS devem trabalhar em equipe, de forma interprofissional, para que o processo de cuidado seja centrado no usuário, e não em procedimentos. A articulação entre diferentes áreas profissionais também faz com que haja um enriquecimento do campo comum de competências, ampliando a capacidade do cuidado de toda a equipe.

Considerando-se ainda que saúde e alimentação são direitos constitucionais no Brasil e requisitos básicos na promoção da saúde, todos profissionais da APS são responsáveis pela promoção de alimentação adequada e saudável. A atenção nutricional na APS é muito mais potente quando profissionais da área de alimentação e nutrição apoiam os demais profissionais, qualificando-os no desenvolvimento de ações integrais nessa área, respeitando suas atividades privativas.

Avaliar e promover alimentação adequada, seja no âmbito individual quanto no coletivo, passa obrigatoriamente pela identificação da situação alimentar e da coleta de dados, para compor um ciclo de gestão e produção do cuidado:

A vigilância alimentar e nutricional (VAN) é uma das diretrizes da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), constituindo a base para o planejamento da atenção nutricional no SUS. A VAN é definida como a descrição e a predição de tendências das condições de alimentação e nutrição da população e seus determinantes. Há dois componentes a serem avaliados: estado nutricional e marcadores do consumo alimentar (já vamos falar mais sobre eles). Nesse sentido, a VAN pode (e deve) auxiliar a avaliação e o diagnóstico alimentar e nutricional, o planejamento, a implementação e o monitoramento de estratégias, tanto no âmbito individual como populacional. 

A PNAN estabelece ainda que o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) deve apoiar gestores e profissionais de saúde no diagnóstico de agravos alimentares e nutricionais. Este é um sistema de informação em saúde específico para monitorar o padrão alimentar e o estado nutricional dos usuários do SUS em todas as fases da vida.

A APS é responsável por atender a maior parte das demandas de saúde, alimentação e nutrição da população, em trabalho organizado em equipes interprofissionais. As ações de VAN compreendem o levantamento e a análise de informações do consumo alimentar, podendo orientar a atuação profissional para a melhoria das condições de saúde das pessoas.

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3. O poder dos marcadores do consumo alimentar

Marcadores do consumo alimentar são uma ferramenta para apoiar as equipes na identificação de práticas alimentares, contribuindo para um diálogo mais amplo sobre alimentação saudável e adequada. Os marcadores não se propõem a avaliar detalhadamente hábitos ou histórico alimentar, e nem a participação de nutrientes específicos na alimentação. São screeners ou rastreadores, isto é, métodos curtos de avaliação da dieta, desenvolvidos para obtenção de informações sobre elementos cruciais da qualidade da alimentação.

O formulário de marcadores do consumo alimentar do Sisvan é propositalmente simples para se adequar à rotina da assistência, ao avaliar os alimentos consumidos no dia anterior ao atendimento.

Isso facilita o trabalho da memória (o que foi que eu comi no almoço de ontem mesmo?) e garante que todos os profissionais de saúde, independentemente de sua formação, possam fazer a avaliação da alimentação e contribuir com a produção contínua de informações.

Esta avaliação considera as diretrizes do Guia Alimentar para a População Brasileira e a classificação NOVA, que organiza os alimentos de acordo com o nível de processamento industrial a que foram submetidos. Neste sentido, existem quatro grupos alimentares:

Alimentos in natura ou minimamente processados

Alimentos a que temos acesso da maneira como vêm da natureza ou que passaram por quase nenhum processamento da indústria, como frutas, verduras, legumes, carnes, arroz, feijão, farinha, etc.

Ingredientes culinários

Substâncias extraídas diretamente de alimentos in natura ou minimamente processados e utilizadas para temperar os alimentos e criar preparações culinárias. Exemplos são: sal, açúcar, óleos vegetais e manteiga.

Alimentos processados

Produtos fabricados com a adição de sal ou açúcar e, eventualmente, óleo, vinagre ou outra substância do segundo grupo a alimentos in natura ou minimamente processados, a exemplo de queijos, conservas, frutas em calda, entre outros.

Alimentos ultraprocessados

Formulações industriais prontas para o consumo, hiperpalatáveis e atraentes, com aditivos artificiais que alteram cor, sabor e textura do produto. Exemplos são: refrigerantes, hambúrgueres, salsichas, salgadinhos de pacote, biscoitos doces ou salgados, e macarrão instantâneo.

Existem três formulários de marcadores do consumo alimentar do Sisvan:

Crianças menores de seis meses:

avalia a prática de aleitamento materno exclusivo e a introdução precoce de alimentos.

Crianças entre seis meses a dois anos:

avalia a continuidade do aleitamento materno e a introdução de alimentos saudáveis, e identifica situações de risco para deficiência de micronutrientes e ganho de peso em excesso.

Crianças maiores de dois anos, adolescentes, adultos, gestantes e idosos:

identifica práticas alimentares saudáveis e não saudáveis, e aborda aspectos de atenção à alimentação e comensalidade.

Para crianças maiores de dois anos, adolescentes, adultos, gestantes e idosos, recomenda-se a avaliação dos seguintes marcadores do consumo alimentar:

Feijão
Frutas frescas
Hortaliças
Hambúrguer e/ou embutidos
Bebidas adoçadas
Doces e guloseimas
Biscoitos recheados

Nossas análises comprovaram que, em conjunto, esses marcadores representam aspectos importantes de uma alimentação saudável (feijão, frutas frescas e hortaliças) e não saudável (hambúrguer e/ou embutidos, bebidas adoçadas, doces e guloseimas e/ou biscoitos recheadas), de acordo com a classificação NOVA.

Além disso, o formulário também teve um desempenho muito semelhante em todas as regiões brasileiras e faixas etárias, e ao longo dos anos, para captar características relevantes da qualidade da alimentação, mesmo com tão poucos elementos. Ou seja: sua aplicação tem a capacidade de identificar e avaliar a situação alimentar de toda a população em todo o território nacional.

Os profissionais da APS podem optar por inserir os dados de marcadores na base do Sisvan Web, que conta com a migração semestral de informações do Programa Bolsa Família, ou por meio dos softwares de Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC) e Coleta de Dados Simplificada (CDS).

Aqui está um breve histórico da organização de ações de vigilância alimentar e nutricional no Brasil:

Para que não haja necessidade de preencher duas plataformas, em 2017 foi consolidada a integração entre o Sisvan Web e o e-SUS APS.

A recomendação atual é que os municípios passem a adotar a Estratégia e-SUS APS, inserindo os dados na via PEC ou CDS, e que o Sisvan Web fique destinado para a retirada de relatórios e o apoio nas análises dos dados.

O Ministério da Saúde garante que todos os registros, independente do local de inserção, migram para o Sisvan Web e compõem os relatórios que serão extraídos e analisados pelos gestores e profissionais.

O registro das informações nos sistemas de informação é a etapa que transforma os dados de cada usuário em dados coletivos.

Os formulários de marcadores do consumo alimentar podem ser utilizados por todos os profissionais da APS. Suas  questões estão alinhadas às principais orientações alimentares vigentes, e sua validade já foi comprovada, podendo ser aplicado em toda a população brasileira.

Saiba mais:

4. A cobertura dos marcadores está melhorando. E podemos ir muito além!

Até 2019, dois terços dos municípios brasileiros utilizaram os marcadores do consumo alimentar do Sisvan, isto é, tiveram o registro de pelo menos um formulário.

Quando consideramos a quantidade de registros em relação ao total de pessoas residentes, a cobertura populacional dos marcadores evoluiu bastante no período de 2015 a 2019.

Porém, nossos resultados mostram que os números ainda são baixos. Mesmo assim, os dados da evolução da cobertura dão pistas de que a Estratégia e-SUS APS, via PEC ou CDS, tem contribuído para o aumento dos registros dos marcadores do consumo alimentar em todas as regiões do país.

5. Estratégias para melhoria do uso dos marcadores do consumo alimentar do Sisvan

Além de explorar os dados de registro dos marcadores do consumo alimentar, conversamos com alguns profissionais que fazem o Sisvan acontecer em diferentes partes do Brasil. A partir desses encontros, aqui temos algumas estratégias que podem ser utilizadas como incentivo para a evolução do uso dessa potente ferramenta de acompanhamento da situação alimentar da população.

As estratégias foram organizadas de acordo com as etapas do fluxo de uso dos marcadores:

  1. Organização do trabalho;
  2. Qualificação profissional e educação permanente;
  3. Uso dos marcadores;
  4. Análise e divulgação dos dados e planejamento e monitoramento de intervenções.

Além disso, foram divididas em atribuições que correspondem mais aos cargos de Gestão dos Serviços, a Cargos de Assistência à Saúde ou a ambos.

As estratégias aqui apresentadas partem dos relatos realizados pelos profissionais participantes de grupos focais conduzidos com a equipe da pesquisa em 2022. Nestes relatos, compartilharam suas experiências e como se organizavam para superar adversidades.

Para conhecer melhor as estratégias para sua área de atuação, clique nos títulos abaixo e expanda o conteúdo.

5.1 Organização do trabalho

Gestão dos Serviços

Apresentaremos ao longo desta seção estratégias potenciais para cada uma das etapas do fluxo de uso dos marcadores do consumo alimentar do Sisvan (coleta, análise e divulgação dos dados, planejamento e monitoramento de intervenções).

Mas antes de tudo, precisamos destacar que é crucial a disposição da gestão para reorganizar o trabalho no sentido de tornar a VAN mais efetiva no território, com apoio de mão-de-obra suficiente e qualificada. Tivemos, por exemplo, diversos relatos sobre como a falta de profissionais nos serviços, somado ao atendimento de um número de usuários superior ao preconizado pela divisão das regionais de saúde, refletia na dificuldade de fazer VAN, incluindo a avaliação de marcadores do consumo alimentar.

Outro aspecto da gestão de pessoas que pode resultar em sobrecarga de trabalho é a alta rotatividade de profissionais, pois implica na descontinuidade das estratégias e em retrabalhos de capacitação.

“O que acontece: aqui [...] a pessoa [de um determinado setor] não para, cada semana que a gente vai lá às vezes está uma outra pessoa, então até treinar essa pessoa de novo e saber quais os materiais que cada profissional está utilizando, eles estão tendo essa dificuldade. Às vezes fica um profissional ali três meses, na hora que ele está adaptando esse profissional saiu e foi deslocado para uma outra função”.

Nutricionista, cargo de assistência à saúde, região Sudeste

O primeiro passo para reorganizar o trabalho para fortalecer a VAN pode ser estabelecer um coordenador ou responsável técnico específico para ações de alimentação e nutrição em sua UBS ou território. Tivemos relatos, por exemplo, de locais que se organizavam:

  • Estabelecendo um responsáveis técnicos de Alimentação e Nutrição nas UBS, secretarias ou coordenadorias; 
  • Através de coordenadorias estaduais e municipais de Alimentação e Nutrição;
  • Através de células de VAN ou coordenadorias de Sisvan; 
  • Estabelecendo a VAN como uma das responsabilidades de outras coordenadorias, como a da APS.

Foi mencionado também que ter nutricionista nas equipes é um fator potencializador do matriciamento para uso dos marcadores do consumo alimentar.

5.2 Qualificação profissional e educação permanente

Gestão dos Serviços e Cargos de Assistência à Saúde

Outro relato comum é que a cobrança pelo preenchimento dos formulários de marcadores do consumo alimentar do Sisvan geralmente chega sem a capacitação ou a explicação da relevância dos marcadores.

Para superar esse problema, aqui estão temas pertinentes para a qualificação profissional (e não apenas de nutricionistas!) para uso dos formulários nas diferentes fases da VAN:

  1. Conhecendo o fluxo dos dados dentro dos sistemas: preenchimento de formulários impressos e digitação, ou preenchimento eletrônico direto (sistema próprio ou e-SUS APS, com migração para Sisvan Web);
  2. A importância do preenchimento do número do cartão SUS: sem ele, os dados não migram adequadamente para o Sisvan Web;
  3. O que avaliam os marcadores do consumo alimentar do Sisvan? É relevante elucidar as características e o propósito dos marcadores para um diagnóstico do perfil alimentar e nutricional dos usuários dos serviços de saúde; 
  4. Uso dos marcadores para planejamento de ações com a população: explicar aplicações dos marcadores para a proposição de intervenções pode estimular o registro de mais formulários --e quanto maior a cobertura mais fidedignos à realidade são os dados;
  5. Importância da análise dos dados e da devolutiva às equipes de saúde: compreender as etapas para divulgação da análise dos dados, principalmente quando é de responsabilidade de cargos de gestão, é importante para estimular o uso e o registro das informações pelos profissionais;
  6. Orientações alimentares a partir das respostas aos marcadores do consumo: os formulários do Sisvan podem ser utilizados durante as consultas e em ações de educação alimentar e nutricional, em formato de conversa, ajudando a direcionar orientações individuais alinhadas ao Guia Alimentar para a População Brasileira;
  7. Como manejar situações de insegurança alimentar: a partir dos marcadores e da interpretação do contexto socioeconômico e cultural do indivíduo, pode-se utilizar a Triagem para Insegurança Alimentar (TRIA), com encaminhamento para assistência social ou outros equipamentos que promovam a SAN.

5.3 Uso dos formulários de marcadores do consumo alimentar do Sisvan

Gestão dos Serviços

É possível solicitar/estimular o uso dos marcadores do consumo alimentar para qualquer profissional da sua UBS. A VAN é uma responsabilidade de todos e qualifica as ofertas de cuidado em todas as áreas.

Não restrinja apenas aos nutricionistas!

Os formulários apresentam uma estrutura simples, que facilita o entendimento das questões, permitindo que qualquer profissional possa realizar o preenchimento.

“É uma ferramenta bem objetiva e tu não gasta muito tempo, são perguntas bem diretas que você consegue, qualquer profissional pode estar fazendo, inclusive o ACS. Então é uma ferramenta muito fácil de ser utilizada. Eu acho que é o que está no ponto alto [...] do marcador do consumo alimentar, é a facilidade de ser feito com o usuário.”

Profissional em cargo de gestão dos serviços, região Norte

Existem diversas facilidades em usar os marcadores do consumo alimentar nas plataformas digitais, principalmente por meio da Estratégia e-SUS APS: 

  • A diminuição do retrabalho para lançamento dos dados; 
  • A possibilidade de geração de relatórios pelas plataformas; 
  • A diminuição da chance de erro, principalmente no registro do Cartão Nacional de Saúde e CPF; 
  • A disponibilidade do registro dos atendimentos para qualquer profissional, na plataforma e-SUS; e 
  • A integração entre os sistemas e-SUS e Sisvan Web.

A Estratégia e-SUS é a melhor opção para inserção de dados da APS, enquanto o Sisvan Web é melhor para a retirada de relatórios. Porém, para que esses dados migrem do e-SUS para o Sisvan Web, todos os campos do formulário precisam ser preenchidos, mesmo os que não são obrigatórios. Se a sua UBS faz uso de outro sistema de informação, é importante garantir que os dados de consumo alimentar coletados através dele migrem para o e-SUS, para que possam chegar ao nosso sistema nacional de VAN.

Quando não for possível usar os formulários por meio digital, pode-se utilizar a ficha impressa de marcadores do consumo alimentar do e-SUS/Sisab. Se na sua unidade o acesso a computadores ou internet for difícil, essa pode ser uma solução! Um facilitador da impressão é o fato de que todas as perguntas estão organizadas em apenas uma página.
Mas para que a impressão seja possível, é importante que estejam garantidos mantimentos como tinta e papel. Vale destacar também que, para que os marcadores do consumo alimentar sejam utilizados para diagnóstico do perfil alimentar da população do território, é importante que eles sejam lançados no sistema posteriormente.

Nesse sentido, a falta de apoio para digitação e lançamento dos dados se mostrou na nossa pesquisa um importante fator de sobrecarga dos profissionais que faziam uso da ficha impressa. Quando possível, dispor de profissionais para fazer o lançamento dos dados no sistema facilita este processo. Tivemos relatos, por exemplo, de serviços nos quais os auxiliares técnicos administrativos eram capacitados para esta função. Outra estratégia relatada foi um caso em que o lançamento dos dados de todo o município era centralizado na secretaria municipal responsável, que recolhia os formulários impressos preenchidos de todas as UBS.

A grande quantidade de fichas que precisam ser preenchidas no dia a dia dos serviços, bem como a dificuldade de preencher todas elas no curto tempo previsto para consultas pode se mostrar como um empecilho para uso dos marcadores do Sisvan. Otimizar as estratégias de uso e ser criativo quanto aos cenários em que seu uso é oportuno são maneiras de amenizar essa sobrecarga.

Alguns programas e estratégias do SUS podem ser especialmente favoráveis para o uso dos formulários de marcadores do consumo alimentar, sendo que alguns os têm ainda como condicionalidade para repasse financeiro. Este atrelamento parece ser, inclusive, um bom incentivo ao uso dos formulários.

Os programas mais citados pelos profissionais durante nossa pesquisa foram:

Cargos de Assistência à Saúde

Qualquer profissional pode usar os marcadores do consumo alimentar do Sisvan. Não é uma atividade restrita a nutricionistas. São questionários práticos e rápidos de preencher, com poucas questões objetivas e fechadas.

Os profissionais que participaram da nossa pesquisa faziam uso dos formulários nas seguintes situações no contexto da APS:

  • Atendimentos individuais de diferentes especialidades;
  • Atendimento em grupos terapêuticos;
  • Visitas domiciliares dos ACS e demais profissionais;
  • Ações do Programa Saúde na Escola;
  • Triagem;
  • Chamada nutricional: campanha de mutirão de atendimento nutricional;
  • Campanha de vacinação;
  • Academias de saúde.

Uma dificuldade apontada foi a falta de compreensão por parte dos usuários da importância do uso dos marcadores do consumo alimentar. Nos foi relatado que muitas vezes, quando o usuário está na consulta com nutricionista, há expectativa por receber a prescrição de uma dieta. Além disso, quando um profissional que não é nutricionista faz as perguntas sobre consumo alimentar, alguns usuários questionam porque o profissional não se atêm à sua área de atendimento.

Em circunstâncias assim, é relevante explicar com clareza para o usuário qual o papel dos marcadores do consumo alimentar, que são uma ferramenta de identificação do perfil alimentar individual e da população do território (e não uma avaliação detalhada da alimentação).

A alimentação, principalmente em relação a elementos cruciais de qualidade do que é consumido, é um assunto transversal em saúde: conhecer e trabalhar mais com características da alimentação dos usuários apoia o trabalho de todos profissionais.

Alguns profissionais tiveram a percepção de que questionamentos sobre hábitos alimentares em geral também causam constrangimento nos usuários, principalmente quando feito por nutricionistas.

Outra questão que também apareceu muito foi a sensação de culpabilização das mães quando questionadas sobre a alimentação de seus filhos. Assim, é muito importante que se construa um ambiente em que o usuário se sinta seguro, acolhido e não julgado para que os marcadores possam fazer parte dos atendimentos da melhor forma possível.

Existem diversas facilidades em usar os marcadores do consumo alimentar nas plataformas digitais, principalmente por meio da Estratégia e-SUS APS: 

  • A diminuição do retrabalho para lançamento dos dados; 
  • A possibilidade de geração de relatórios pelas plataformas; 
  • A diminuição da chance de erro, principalmente no registro do Cartão Nacional de Saúde e CPF; 
  • O registro dos atendimentos fica disponível para qualquer profissional, na plataforma e-SUS; e 
  • A integração entre os sistemas e-SUS e SISVAN Web.

Quando não for possível usar os formulários por meio digital, pode-se utilizar a ficha impressa de marcadores do consumo alimentar do e-SUS/Sisab. Vale destacar que é preciso atenção e organização neste processo, para não duplicar os dados na etapa de lançamento, para não errar o preenchimento do Cartão Nacional de Saúde e CPF, ou mesmo para não perder os formulários, já que são papel físico. Ainda, é fundamental garantir a digitação das fichas impressas no sistema.

Além disso, para evitar ou contornar a sobrecarga de trabalho com o preenchimento de diversos formulários, pode ser importante recorrer a algumas estratégias criativas.

Alguns profissionais usam os marcadores no atendimento individual, distribuindo as perguntas ao longo da consulta. Outros ainda relataram a possibilidade de autopreenchimento: quando os próprios usuários ou responsáveis, no caso das crianças, preenchiam os formulários. Essa estratégia foi muito citada em ações do PSE e alguns profissionais tiveram a percepção de que quando o formulário é autoaplicado as respostas são mais sinceras.

Mas vale apontar que pode haver uma dificuldade na compreensão das questões e consequente erro no preenchimento, como por exemplo a percepção de que batata é legume ou a compreensão de que as questões se referem à alimentação habitual e não ao dia anterior.

5.4 Análise e divulgação dos dados e planejamento e monitoramento de intervenções

Gestão dos Serviços

Alguns dos profissionais que participaram da nossa pesquisa lamentaram que muitas vezes existe a cobrança para o uso dos marcadores do consumo alimentar do Sisvan, mas estas informações não são analisadas, sendo mais utilizadas como metas de produtividade do que para VAN de fato.

Realizar essa análise e a devolutiva da situação alimentar e nutricional do território é uma forma de valorizar e incentivar o uso dos marcadores do Sisvan, além de tornar a VAN mais efetiva!

Esses dados não chegam coletados para a gente enquanto base, então vai se perdendo mesmo. Eu faço e faço isso e não serve para nada, nunca eu vejo resultado disso.

Nutricionista, cargo de assistência à saúde, região Sudeste

Outros profissionais da assistência relataram que nem sequer sabem como os dados de consumo alimentar são processados e/ou analisados. A análise e a elaboração de relatórios pode ficar sob responsabilidade do gestor, do responsável técnico ou do profissional da assistência, mas é importante discutir e combinar essa responsabilidade em equipe para que todos estejam inteirados do processo. 

As devolutivas sobre as análises podem ser feitas nas reuniões de equipe da UBS e também para as coordenações e áreas técnicas municipais, regionais ou estaduais, para embasar as ações que extrapolam a alçada da UBS. Assim, é possível minimizar a dificuldade de conexão com a realidade dos territórios das UBS relatada por profissionais gestores/coordenadores de diferentes instâncias que participaram da pesquisa.

Outras possibilidade de ampliação da divulgação das análises são: 

  • Importância da devolutiva das análises dos dados para os profissionais dos serviços de saúde;
  • Envolvimento de estudantes (estagiários e residentes) no uso dos marcadores na rotina dos serviços; 
  • Divulgação dos marcadores em cursos de formação, como cursos técnicos, graduação e pós-graduação;
  • Incentivo ao uso dos dados de marcadores para pesquisas.

Os relatórios elaborados a partir do Sisvan Web têm melhor qualidade que os elaborados a partir do e-SUS. Os formulários preenchidos via e-SUS migram para o Sisvan Web, mas essa migração de dados não é imediata, podendo levar cerca de dois meses. Ademais, para que os profissionais da assistência possam acessar o Sisvan Web é preciso a liberação de seu acesso ao e-Gestor.

Para entender mais sobre as possibilidades de uso dos marcadores do consumo alimentar, recomendamos os documentos:

Cargos de Assistência à Saúde

O uso dos formulários de marcadores do consumo alimentar do Sisvan ajuda a nortear as recomendações de alimentação adequada e saudável em atendimentos individuais, grupos e atividades do PSE ou, ainda, o encaminhamento para atendimentos de nutrição, quando identificada uma situação mais específica.

Orientações alimentares personalizadas podem ser construídas a partir das informações dos marcadores do consumo alimentar são levantadas em um atendimento. Os Protocolos de Uso do Guia Alimentar para a População Brasileira na Orientação Individual foram organizados para apoiar todos os profissionais de saúde. Existem cinco fascículos com recomendações alimentares para diferentes etapas do curso da vida:

Há protocolos disponíveis também para pessoas com condições como diabetes, hipertensão e obesidade.

Em complemento a este uso imediato, os marcadores do consumo alimentar do Sisvan podem ser utilizados para diagnóstico da situação alimentar e nutricional do território. Para isso, eles precisam ser lançados no sistema para que possam ser gerados relatórios da população. Tivemos relatos de profissionais que usavam as informações desses relatórios para:

  • Planejar as atividades dos grupos da UBS;
  • Desenvolver de ações de educação alimentar e nutricional nas escolas do território, em conjunto com os profissionais das escolas, a partir dos dados coletados em ações do PSE;
  • Propor melhorias no cardápio das escolas do território, a partir dos dados coletados em ações do PSE;
  • Monitorar a eficácia das intervenções realizadas;
  • Acompanhar as mudanças nos hábitos alimentares da população do território.
Quais os próximos passos que se buscam com essas medidas? 

Implementação e continuidade das ações de educação permanente,
acarretando em maior sensibilização e qualificação dos profissionais da assistência e maior apoio dos profissionais da gestão às ações de VAN na APS. 

O que se espera a partir dessas ações de ampliação?

Melhora na cobertura e no uso dos marcadores do consumo alimentar!

Alguns materiais que podem ajudar a colocar a Vigilância Alimentar e Nutricional em prática:

Equipe:

Coordenação do projeto (FSP/USP)
Bárbara Hatzlhoffer Lourenço

Pesquisadores (FSP/USP)
Agatha Cosmo de Moura Balbino
Ana Lucia Zovadelli Romito
Andressa Freire Salviano
Beatriz Inês Ricardo
Bianca de Melo Guedes
Joanna Manzano Strabeli Ricci
Luana Monteiro Barros
Pedro Henrique Benicio Oliveira

Colaboradores
Antonio Augusto Ferreira Carioca (Unifor)
Paula dos Santos Leffa (MS)
Priscila de Morais Sato (UFBA)
Sara Araújo da Silva (MS)
Thanise Sabrina Souza Santos (MS)



Financiamento:

Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (CNPq), processo nº 442963/2019-0

Agradecemos o apoio da Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição.

Referências: