CPaS-1 – Coletive de Pesquisa em Antropologia, Arte e Saúde Pública

“É raridade mulheres negras se unirem para se divertirem. Isso é potente”

Esse texto é a segunda parte da Etnografia de Beatriz Sampaio. A primeira parte você pode encontrar em https://www.fsp.usp.br/cpasmenosum/role-de-preta-sp/.

Durante a experiência etnográfica com o coletivo foram feitos 6 rolês, sendo eles: Festa Punga na Casa das Caldeiras e na Casa Rockambole, 0800 Deekapz no Vale do Anhangabaú, festa junina do coletivo, show da Flora Matos e aula de samba rock gratuita do Projeto Groove 011 no Vale do Anhangabaú. Eles aconteceram na cidade de São Paulo, em regiões centrais e de fácil acesso ao transporte público.


Para Michel Agier (2015), a cidade é feita essencialmente de movimento, onde ocorrem as redes de sociabilidade, importantes na capacidade de articulação dos indivíduos para então “fazer-cidade”. O movimento de “fazer-cidade” é incitado por uma ausência e impulsionado por uma imagem, um mito perdido, um horizonte ainda que inatingíveis, logo é um processo sem fim, sem finalidade e contínuo, já que existem múltiplas formas de se fazer cidade. Para o antropólogo, o movimento em direção ao centro da cidade desde as periferias, é um deslocamento e uma conquista espacial em certa medida.


Diante disso, compreendi que enquanto coletivo, inicialmente voltado para dar rolês (que é uma forma de ocupar a cidade), estamos também reivindicando nosso direito de estar ali, de frequentar rolês com protagonismo negro, que também estão nesse movimento de “fazer-cidade” para que possamos sonhar um horizonte que seja minimamente acessível para nossos corpos.


A maioria dos rolês que o coletivo frequenta são “rolês pretos” – feito por pessoas negras e voltado para pessoas negras, como por exemplo a Festa Punga – e com isso pude perceber a necessidade de estarmos em ambientes em que nos sentimos representadas para podermos ser nós mesmas, já que lidamos constantemente com o racismo nas nossas rotinas, em diversas esferas sociais.


Para quase todo rolê que é divulgado no grupo de Whatsapp, alguém cria um outro grupo para que as pessoas que vão para o rolê x, y ou z possam combinar o horário que ocorrerá o encontro e onde será esse encontro. Durante essa breve experiência percebi que a maioria dos rolês consistiam em se deslocar de transporte público, encontrar as meninas na catraca do metrô e ir andando até o local do evento juntas, para nos protegermos. As voltas dos rolês, devido ao horário ou por o metrô já ter fechado, são da Uber, em que algumas meninas vão embora em grupo para dividir o valor da corrida e não sair tão caro, logo eu ouvi muitas frases como essa: “relaxa, depois vocês me fazem um pix”. Além disso, cada encontro era uma nova oportunidade de conhecer novas meninas -” ah, então você que é a Bia que conta várias histórias no grupo. Menina eu dou muita risada com você” – ou revê-las – “que saudade que eu tava de você”.


Para economizar, nos encontros eram feitos “esquentas” (beber em um lugar mais barato) antes de entrar no local do evento e também dividir o que consumimos – “vamos pegar cerveja? cada uma faz uma rodada e não sai pesado”. Durante as festas, ficamos reunidas para curtirmos juntas, e não somente uma companhia para ir ao rolê e depois desaparecer. Pude perceber que nesses espaços só queremos nos desligar da rotina, dar risada e espairecer. Dançamos as músicas que mais gostamos, como “Love Set You Free”da Kelly Price, “Love On Top” da Beyoncé, “Baby 95” da Liniker, e em todo rolê tem uma rodinha de pessoas pretas dançando e fazendo algum passinho/coreografia, o que me faz lembrar de uma música do Dexter com o Mano Brow em que eles falam: “Os pretos dança todo mundo igual sem errar”.

“Já percebeu que ninguém se conhece, mas ao mesmo tempo todo mundo se conhece?”, essa foi uma frase que ouvi algumas vezes durante os encontros, já que a maioria das meninas não se conheciam previamente, porém ao observar realmente parecia que todas se conheciam, “isso é ancestral”. Ah, é de praxe também as fotos, cada encontro tiramos uma foto do grupo que saiu junto e postamos no grupo de Whatsapp, em que as fotos são divulgadas no feed ou stories na página do Instagram. Assim, retomando a ideia de Quilombo, os rolês são momentos em que afirmamos nossa negritude – segundo Kabengele Munanga (2012), é a identidade pensada a partir da “tomada de consciência da diferença entre nós e os outros” – para continuarmos resistindo e existindo, criando possibilidades dentro da cidade e reivindicando o nosso direito ao lazer.

Nesta breve etnografia sobre o Role de Pretas, pude exercitar o meu olhar para a observação dos corpos e das falas para tentar entender de onde veio o tal estranhamento sobre fazer um coletivo voltado para mulheres negras darem rolê. Antes desta experiência, achei que era por causa da solidão que corpos negros passam ao longo de suas vidas devido ao racismo, porém me deparei com algo muito maior. O coletivo é um espaço para falarmos também dessa solidão e nos reunirmos em atividades de lazer a fim de mitigar e/ou aliviá-la, mas descobri que é um espaço de infinitas possibilidades para sermos nós mesmas, e que nesse movimento de aquilombamento vamos nos curando, nos descobrindo e nos reinventando como mulheres negras. É um espaço de empoderamento e luta. É um quilombo que a princípio escolhemos estar, mas que depois entendemos que tínhamos que estar lá.

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