A fome é um problema complexo que não é natural nem aceitável, com caráter estrutural e multicausal, natureza política e econômica, e impactos sobre a vida social. A alimentação adequada é um direito humano, e sua garantia está alinhada aos ODSs. Porém, há um aumento global da fome e desnutrição, agravada pela situação pandêmica. No Brasil, 33 milhões de brasileiros hoje estão em insegurança alimentar grave. Esta questão tem conexão com todas as etapas das atividades dos sistemas alimentares e requerem soluções sustentáveis e justas. Porém, evidências em avaliação de programas de combate à fome apontam resultados divergentes de uma mesma política pública.

Com a proposta intitulada Combate à Fome: estratégias e políticas públicas para a realização do direito humano à alimentação adequada – Abordagem transdisciplinar de sistemas alimentares com apoio de Inteligência Artificial, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Combate à Fome contará com pesquisadores de áreas diversas, além de bolsistas de nível superior, de várias universidades e instituições: USP – Universidade de São Paulo, UFSCar – Universidade Federal de São Carlos, Unifesp – Universidade Federal de São Paulo, UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFF – Universidade Federal Fluminense, UFG – Universidade Federal de Goiás, UNILAB – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, UFAL – Universidade Federal de Alagoas, UFAC – Universidade Federal do Acre, FACAMP – Faculdades de Campinas, UFS – Universidade Federal de Sergipe, UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UnB – Universidade de Brasília e Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.

Também participam Universidades estrangeiras, como a University of Saint Joseph (USJ), de Macao na China, Toronto Metropolitan University, do Canadá, University of Twente, da Holanda, Newcastle University, da Inglaterra, Universidade de Lisboa, Universidade do Porto, Instituto Universitário de Lisboa, de Portugal, Universitat Autònoma de Barcelona, Espanha, Universidad Nacional de Quilmes e Universidad Nacional de La Plata.

São objetivos do INCT trabalhar em uma abordagem multi e transdisciplinar, desenvolvendo estudos a partir de cinco eixos: Saúde e Nutrição; Inteligência Artificial; Políticas Públicas, Cadeia de Valor e Comunicação.

Visa conduzir estudos investigando a Insegurança Alimentar e os desafios e estratégias para atendimento do direito humano à alimentação adequada; identificar os determinantes da produção sustentável de alimentos, a redução dos gargalos ao abastecimento e distribuição de alimentos de qualidade e saudáveis e diminuição das perdas e desperdício de alimentos; investigar os determinantes sociais vinculados aos resultados de políticas públicas de alimentação e nutrição; pesquisar, desenvolver e aplicar ferramentas e técnicas computacionais para coleta, fusão, processamento, armazenamento, análise, extração do conhecimento e disseminação de dados e informações sobre fome e insegurança alimentar em ambientes urbanos.

Como inovação, serão construídas ferramentas de análise e visualização modernas, que apoiem o tomador de decisão usando inteligência artificial. Outra inovação é a constituição da Comunicação como um eixo de investigação para a difusão e divulgação científicas, possibilitando a democratização do conhecimento para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e a diminuição das desigualdades.

Proposta

QUALIFICAÇÃO DO PROBLEMA SOB O PONTO DE VISTA CIENTÍFICO, TECNOLÓGICO E DE INOVAÇÃO 

Com o crescimento progressivo dos índices de insegurança alimentar e da fome, paralelamente a índices alarmantes de doenças crônicas e de desafios sem precedentes, como as mudanças climáticas, o olhar para as relações entre alimentação e saúde tem se ampliado, abarcando não somente a saúde humana, mas igualmente a saúde planetária.

A proposta do INCT Combate à Fome: estratégias e políticas públicas para a realização do direito humano à alimentação adequada – Abordagem transdisciplinar de sistemas alimentares com apoio de Inteligência Artificial se baseia na ideia de sistemas alimentares sustentáveis e no princípio do Direito Humano à Alimentação adequada (DHAA), assumindo o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) no Brasil, conforme definido pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) em 2006: Realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis. A escolha da abordagem de sistemas alimentares sustentáveis fundamenta-se no reconhecimento de que o DHAA é fundamental e inseparável da justiça social. O DHAA está contemplado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), com definição ampliada em outros dispositivos do Direito Internacional (Ex: Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais).

No Brasil, resultado de ampla mobilização social, em 2010 foi aprovada a Emenda Constitucional no 64, que incluiu a alimentação no artigo 6o da Constituição Federal. De qual problema estamos falando? De acordo com o Relatório Anual da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2023), entre 690 e 783 milhões de pessoas enfrentaram a subnutrição em 2022, algo entre 8,7% e 9,8% da população mundial. Em 2019, graças sobretudo ao impacto da pandemia de COVID 19, houve um aumento de mais de 100 milhões no número de pessoas subnutridas. No Brasil, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, a insegurança alimentar grave esteve presente no lar de 10,3 milhões de pessoas (4,9% da população). Em toda a sua amplitude, esta questão tem conexões não apenas com a produção e o consumo de alimentos, mas com todas as etapas dos sistemas agroalimentares, desde a escolha dos insumos e da tecnologia e sistemas de produção até a etapa pós-consumo, da disposição de resíduos e restos de alimentos. Nesse sentido, é profundamente afetada pelos ambientes organizacionais e institucionais. Assim, promover o engajamento colaborativo, a proteção da sociobiodiversidade, a reconexão e o resgate da boa relação do homem com a natureza, tanto quanto a promoção de ambientes com maior equidade e solidariedade, são alguns dos desafios de nossas sociedades no período pós-pandemia. 

Os processos regenerativos de produção, valorizando a conservação da água, das agroflorestas e a redução de emissões de gases poluentes, trazem soluções sustentáveis e, concomitantemente, justas para combater a fome, a desnutrição e a insegurança alimentar no Brasil.

No entanto, evidências em avaliação de programas de combate à fome apontam resultados divergentes derivados de uma mesma política pública, dependendo do local de sua implementação. Estudos sobre determinantes sociais da saúde têm buscado identificar elementos que contribuem para resiliência de determinadas comunidades no contexto do combate à fome. Tais estudos apontam o papel fundamental do engajamento de atores da sociedade civil e de organizações públicas e privadas em nível local para o sucesso de políticas públicas de alimentação e nutrição no Brasil. Para envolver esses diversos atores, é preciso adotar a comunicação de forma estratégica para a difusão e a divulgação da ciência, inovação e tecnologias geradas nos centros de investigação relacionados às questões de Insegurança Alimentar no Brasil, bem como para promover o debate que sustente a criação e a divulgação de políticas públicas embasadas em métodos de investigação científica. De todo modo, a tomada de decisões é complexa pois envolve inúmeras variáveis e uma grande quantidade de fontes de informação e dados, vindos de diferentes atores. Pode também visar diferentes objetivos. Por isso, é essencial usar recursos da ciência de dados e da inteligência artificial para lidar com esses dados, e construir ferramentas de análise e visualização modernas que apoiem o tomador de decisão.

Assim, para o enfrentamento desta questão, é necessária a união de esforços multi e transdisciplinares, com o trabalho conjunto de especialistas em agricultura, meio-ambiente, urbanização, economia, engenharia, comportamento alimentar, comunicação e políticas públicas. Neste sentido, a proposta do INCT Combate à Fome traz um elenco de pesquisadores de diversas áreas e instituições, organizados em cinco eixos de investigação: Saúde e Nutrição; Inteligência Artificial; Políticas Públicas, Cadeia de Valor e Comunicação, conforme descrição pormenorizada na página “SOBRE/PESQUISADORES”.

Este projeto tem por objetivo, em todos os seus eixos: apoiar a pesquisa, ensino e extensão em aspectos relacionados à fome, com ênfase no auxílio à tomada de decisão de diferentes stakeholders, tanto públicos quanto privados. Em cada eixo serão conduzidos estudos que se conectam e se articulam com os estudos realizados nos demais eixos.


Histórico

Sobre o GT “Políticas Públicas de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome”
O grupo de trabalho (GT) USP “Políticas Públicas de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome” foi criado pelo então Reitor da Universidade de São Paulo, Prof. Vahan Agopyan, em portaria de 20 de setembro de 2021. Seu objetivo era o de estudar e propor políticas públicas e ações concretas para a melhoria da situação nutricional das populações mais vulneráveis e para a mitigação dos problemas sociais decorrentes.

O grupo, composto por docentes da USP e pesquisadores das mais diversas áreas relacionadas ao tema da fome, alinhou-se em torno do modelo de sistemas alimentares e em conceitos, da fome e segurança alimentar, além de discutir o monitoramento e diagnóstico da situação de Insegurança Alimentar e Nutricional (InSAN). O 1º Seminário USP de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome marcou o início das atividades do grupo de trabalho. Essas atividades estiveram estreitamente relacionadas ao objetivo fim dos trabalhos tal como expresso na portaria, na medida em que a discussão sobre os conceitos é parte fundamental do diagnóstico da fome e da insegurança alimentar, e também condição essencial para o estabelecimento de políticas eficazes visando combatê-las.

O monitoramento das políticas públicas foi acompanhado de um diagnóstico acerca do funcionamento e dos resultados obtidos por tais políticas, pela compilação dos indicadores de insegurança alimentar disponíveis, bem como de proposições destinadas ao aperfeiçoamento das medidas em vigor. O grupo de trabalho agiu em consonância com os principais atores envolvidos na formulação de políticas de combate à insegurança alimentar, evitando realizar diagnósticos ou proposituras sobre elementos já endereçados pelas políticas existentes e, focando, portanto, em trazer contribuições diferenciadas, que reflitam a multidisciplinaridade dos membros do GT. O GT buscou articulação com grupos de pesquisa e órgãos governamentais e não-governamentais atuantes na investigação e no combate à fome e à insegurança alimentar.

Muitos grupos no Brasil e no exterior se dedicam a estudar fome e insegurança alimentar, tanto oriundos de universidades quanto de organizações da sociedade civil. No entanto, este GT teve algumas especificidades que merecem ser destacadas. Em primeiro lugar, trata-se de um grupo de especialistas das mais diferentes áreas, que se debruçou de forma articulada e conjunta sobre um problema complexo, buscando contribuir com suas visões de forma sistêmica. Em segundo lugar, elegeram-se como marcos teóricos:

1) O sistema alimentar, considerado uma das raízes do problema, alinhando-se desta forma com os documentos mais atuais da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO);

2) O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA);

3) O uso da Ciência de Dados e da Inteligência Artificial como ferramentas importantes para apoio ao entendimento e solução de problemas. Em terceiro lugar, o GT buscou valorizar a comunicação e a divulgação, pelo seu papel como estimulador das mudanças de comportamento dos diversos segmentos da sociedade, necessárias para se alterar o quadro atual.

Motivados para continuar o trabalho iniciado pelo GT, foi elaborada proposta da criação de um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, aprovada pelo CNPq. Com o nome abreviado de INCT “Combate à Fome”, é formado por pesquisadores de universidades de todas as regiões do país e internacionais, com um escopo ampliado: além da pesquisa sobre a segurança alimentar, pretende também atuar na formação de quadros e em atividades de extensão, tendo os sistemas alimentares sustentáveis e o direito humano à alimentação adequada como referenciais teóricos. O objetivo do INCT Combate à Fome é utilizar instrumentos modernos de comunicação, que estão sendo democratizados rapidamente para a população em geral, como uma oportunidade para ampliar o acesso dos cidadãos à informação e diminuir as desigualdades. Ainda, empregaremos a inteligência artificial, cada vez mais presente no nosso cotidiano, para proporcionar aos diferentes atores ferramentas de análise de dados que auxiliem na tomada de decisões.


Inovação e impacto

As inovações buscam a geração de ferramentas para lidar com uma variedade de dados construídos por organizações com propósitos diferentes, que demanda de inovações em aprendizado de modelos a partir de bases com centenas ou milhares de variáveis e também de integração de bases heterogêneas mantendo a consistência e a representatividade espaço-temporal.

Da mesma forma buscam a construção de modelos dos subsistemas envolvidos para inferência e geração de indicadores, que motivam a investigação de novas técnicas para extração automática de conhecimento a partir de bases com milhares de variáveis, ferramentas intuitivas para visualização do conhecimento aprendido, tomada de decisão multicritério para muitos indicadores, e técnicas para realimentação de modelos dos sistemas alimentares (causalidade).

A sistematização de bancos de dados já disponíveis sobre consumo alimentar, produção e oferta de alimentos, indicadores de saúde, preços, constitui caminho de valor para o direcionamento de investimentos e priorização de medidas a partir de políticas públicas.

Ao considerar os determinantes sociais da saúde, e a complexa rede de fenômenos explicativos para a fome, trabalhar dados com expertise para monitoramento e avaliação contribui de forma consistente para ampliar o benefício social das ações, com impactos importantes sobre a melhoria das cadeias de valor e, consequentemente, da qualidade da alimentação.

A prevenção da ocorrência de doenças carenciais e crônicas associadas à má alimentação resulta em efeito cumulativo para a redução dos custos com saúde, além de promover melhor desenvolvimento infantil, que traz desdobramentos sobre o aprendizado e a qualificação profissional.

A investigação nos territórios municipais, associada ao trabalho no nível dos estados, permitirá prototipar iniciativas com potencial de aplicação em diferentes realidades.

Com os estudos decorrentes da integração dos eixos, espera-se apresentar um conjunto de resultados que demonstrem possibilidades intersetoriais para a gestão pública nas três esferas de governo, além de apoio ao trabalho de pesquisadores e democratização de acesso à informação em SAN para cidadãos e lideranças populares.

A articulação entre prática científica e produção de soluções comunicacionais, a potencialização da comunicação estratégica, respeitando e considerando narrativas regionais de um país multicultural como o Brasil e o processo de co-construção para promoção de empatia e comunicação não-violenta, promoverá impacto positivo direto nas comunidades referidas nesta proposta, especialmente para o resgate de saberes e sabores da cultura agrícola e culinária brasileira.

Estratégias de comunicação para difusão e divulgação científicas, com foco em ciência cidadã, serão articuladas e potencializadas por meio de laboratórios e escritórios de imprensa por uma rede interinstitucional formada e articulada, incluindo empresas, startups e diversos atores dos ecossistemas de inovação e tecnologias em várias regiões.

Os canais que serão estabelecidos para comunicação permanente e integrados com todos os pesquisadores e estudantes envolvidos nos diferentes eixos desta proposta, assegurando uma execução integrada e transversal para troca de conhecimentos em uma perspectiva interdisciplinar, tornará essa, uma oportunidade para inovação tecnológica, econômica e socioambiental no combate à fome no Brasil.