A  |  A+ |  A-
Efeitos na qualidade do ar das políticas de quarentena e distanciamento social durante a pandemia de COVID-19 em megacidades: os casos de São Paulo, Paris, Nova Iorque e Los Angeles

Imagem: Pixabay.

A pandemia de COVID-19 tem tido impactos dramáticos na vida ao redor do globo, tendo se espalhado por quase todos países e afetado mais de 4.000.000 pessoas e causado perto de 300.000 mortes até 11 de maio de 2020 (Johns Hopkins University, 2020). O impacto econômico do vírus também foi significativo, causando parada de muitas indústrias e levando a uma forte queda no mercado de capitais. Para reduzir o ritmo de propagação do vírus, além de encorajar o distanciamento social individual, os governos estaduais e municipais implementaram políticas de lockdown, fique em casa, e quarentenas, com graus variados de efetividade e de fiscalização e/ou exigência.  Estas ordens afetaram as rotinas dos moradores, alterando condições ambientais nas áreas, uma vez que grande parte dos empreendimentos comerciais, escolas e escritórios foram proibidos de funcionar e muitos trabalhadores ou tiveram jornadas de trabalho reduzidas ou passaram a trabalhar remotamente de suas casas.

A imprensa vem reportando as melhorias na qualidade do ar de muitas cidades ao redor do mundo como resultado destas políticas de fechamento de atividades não essenciais. Observados sobretudo em grandes cidades globais e suas regiões metropolitanas. Estas circunstâncias provêm uma oportunidade única para se avaliar o impacto de atividades antropogênicas que ocorrem em áreas urbanas em escala global.

Nas grandes cidades, a qualidade do ar é influenciada por emissão de poluentes de origem veicular e industrial. Os principais poluentes emitidos e monitorados em regiões urbanas são os compostos de nitrogênio (NO, NO2), monóxido de carbono (CO), ozônio (O3), dióxido de enxofre (SO2) e partículas finas e inaláveis (PM2.5, PM10). As grandes aglomerações urbanas sofrem de problemas relacionados à poluição do ar, congestionamento de veículos e saneamento básico em suas periferias, falta de moradia adequada, e desemprego, dentre outros. Estas circunstâncias também deixam as cidades mais vulneráveis à rápida transmissão de doenças infecciosas, uma vez que muitas pessoas vivem em espaços geográficos reduzidos. Esta situação tem sido vivenciada ao redor do mundo com a COVID-19, em grandes cidades como Milão, Madri, Nova Iorque, Los Angeles, Paris e São Paulo, em maior ou menor escala. A crise sanitária causada pelo vírus é sem precedentes, assim como as demandas colocadas para os sistemas de saúde destas cidades.

A pesquisa analisou as políticas de distanciamento social e quarentena implementadas em 4 megacidades ocidentais que foram fortemente afetadas pela pandemia de COVID-19 e onde a poluição é predominantemente relacionada ao uso de veículos automotores: São Paulo no Brasil; Paris na França; Los Angeles e Nova Iorque nos Estados Unidos. Além disso, elas possuem uma longa história de monitoramento e controle da poluição atmosférica.

Subsequentemente, o estudo investigou as concentrações de quatro poluentes – CO (monóxido de carbono),  O3 (ozônio), MP2.5 (material particulado fino) e NO2 (dióxido de nitrogênio) durante o mês de março de 2020, em comparação às médias do mês de março de 2015 a 2019, no ar urbano destas metrópoles, controlando por variáveis meteorológicas.

São Paulo, Paris, Nova Iorque e Los Angeles adotaram políticas de confinamento social ou quarentena durante o mês de março, quando o risco de aumento de número de casos de infectados começou a crescer e os recursos hospitalares e leitos de unidade de terapia intensiva poderiam entrar em risco de colapso. Sob estas trágicas circunstâncias, é possível que as reduções em poluição atmosférica possam estar evitando infecções respiratórias e o uso de recursos hospitalares relacionados à hospitalização causada por contaminantes atmosféricos. Por estas razões, o ar mais limpo pode estar contribuindo para salvar vidas.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 4 milhões de pessoas morrem, anualmente, no mundo, devido à poluição atmosférica externa. (World Health Organization, 2018). A OMS recomenda valores de referência para cada poluente de modo a proteger a saúde humana. Entretanto, em muitas cidades estes valores são frequentemente excedidos, com impactos à saúde dos cidadãos que incluem, mas não se restringem a doenças respiratórias. Um estudo da OMS de 2016 demonstrou o impacto desta exposição por meio da estimativa da carga de doenças. Resultados gerais mostraram as seguintes taxas de mortalidade anuais relacionadas à poluição atmosférica ambiental: Brasil 14/100.000 habitantes; França 8/100.000 habitantes; EUA 7/100.000 habitantes (World Health Organization, 2016).

Outro estudo, publicado em versão pré-print nos primeiros dias de abril de 2020, sugere que a maior parte das condições pré-existentes que aumentam o risco de óbito por   COVID-19 são as mesmas doenças que são afetadas por exposição em longo-prazo a poluição atmosfera (Wu et al., 2020). Baseando-se nesta hipótese, os autores mostraram que a exposição a longo-prazo à poluição por material particulado fino (PM2.5) estava associada a maior risco de morte por COVID-19 em cidades dos Estados Unidos.

Resultados de nosso estudo indicaram reduções nas concentrações de PM2.5, CO e NO2 nas quatro cidades no período de quarentena. Ao contrário, o ozônio troposférico aumentou em 3 cidades, com exceção de Los Angeles. As atividades antropogênicas, representadas pelo cenário durante a COVID-19, e as variáveis meteorológicas foram estatisticamente significativas em todas as cidades para todos os poluentes, mostrando sua influência em termos de qualidade do ar, com exceção do efeito da temperatura na formação de O3 em Nova Iorque. Nos modelos lineares generalizados, a redução das atividades econômicas apresentou-se mais relevante para diminuir a poluição do ar do que as condições climáticas.

Os efeitos da redução durante a COVID-19 do CO foram similares nas quatro cidades, provavelmente devido à redução do tráfego de veículos leves. São Paulo foi a região onde NO2 e PM2.5 melhoraram menos em termos absolutos comparada às outras cidades. As medidas de confinamento social em São Paulo foram menos restritivas quando comparadas àquelas de Nova Iorque e Paris. De acordo com COVID-19 Community Report (Google, 2020), as atividades de transporte e em terminais de ônibus, metrô e trem foram reduzidas em ~52% em São Paulo comparadas a ~78% nas outras cidades. A formação de ozônio foi mais alta em Nova Iorque e São Paulo. Usando a razão entre a redução do poluente no cenário de coronavírus e a média dos meses de março de  2015-2020 e também entre esta redução e o desvio padrão, é possível observar quão importante foram as restrições para reduzir os poluentes e o efeito das atividades econômicas nos níveis de poluição em São Paulo: 20% para CO, 13% para NO2 e  4% para PM2.5; Los Angeles: 30% para CO, 37% para NO2 e  33% para PM2.5; Nova Iorque: 37% para CO, 41% para NO2 e  29% para PM2.5; Paris: 18% para CO, 32% para NO2  e 16% para PM2.5.

Dados os resultados deste estudo, pode-se argumentar que o confinamento social não só está evitando a propagação do vírus, ao restringir agrupamentos de pessoas nas ruas, evitando transmissão entre indivíduos e diminuindo o risco de transmissão comunitária, mas também evitando doenças respiratórias e circulatórias por conta das concentrações mais baixas de poluentes. A pesquisa mostrou que as medidas de confinamento adotadas nas quatro cidades com restrição de atividades educacionais, culturais, de lazer e comerciais e a adoção de tele-trabalho tiveram um impacto direto no número de veículos em circulação e na qualidade do ar. Redução da frota de veículos em circulação para reduzir o contágio também proveu um oportunidade única para as cidades repensarem sua política de mobilidade em longo prazo.

As prefeituras, ao destravar as cidades, terão que levar em conta as questões de mobilidade para conter a disseminação da doença: a locomoção das pessoas será uma preocupação central. Ela se acentua por conta de resultados preliminares de pesquisas que mostram que a poluição do ar pode exacerbar a transmissão de COVID-19 e piorar seus efeitos à saúde, consequentemente servindo de indicador de zonas vulneráveis (Cui et al., 2003; Sasidharan et al., 2020; Setti et al., 2020). Esta vulnerabilidade realça a importância de Nova Iorque, Paris, Los Angeles e São Paulo incentivarem abordagens integradas de saúde ambiental ao desenvolver intervenções em tempos de crises sanitárias e em geral. As intervenções em transporte são chaves para ampliar a acessibilidade e diminuir a segregação (Slovic et al., 2019), assim como para reduzir a poluição atmosférica. Há necessidade de mudança de hábitos para formas de transporte e de trabalho mais sustentáveis e inclusão de medidas de segurança para aqueles que dependem do transporte público. Re-pensar a mobilidade no desconfinamento inclui considerar faixas de trânsito rápido, teleféricos e transporte ativo que reduzem os tempos em trânsito e melhoram a saúde (Stankov et al., 2020).

Referências:

Cui, Y., Zhang, Z.-F., Froines, J., Zhao, J., Wang, H., Yu, S.-Z., Detels, R., 2003. Air pollution and case fatality of SARS in the People’s Republic of China: an ecologic study. Environ. Heal. https://doi.org/10.1186/1476-069x-2-15

Google, 2020. COVID-19 Community Mobility Reports [WWW Document]. URL https://www.google.com/covid19/mobility/

Johns Hopkins University, 2020. COVID-19 Dashboard by the Center for Systems Science and Engineering (CSSE) at Johns Hopkins University (JHU) [WWW Document]. URL https://coronavirus.jhu.edu/map.html

Sasidharan, M., Singh, A., Eskandari Torbaghan, M., Parlikad, A.K., 2020. A vulnerability-based approach to human-mobility reduction for countering COVID-19 transmission in London while considering local air quality. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.04.13.20060798

Setti, L., Passarini, F., De Gennaro, G., Barbieri, P., Pallavicini, A., Ruscio, M., Piscitelli, P., Colao, A., Miani, A., 2020. Searching for SARS-COV-2 on Particulate Matter: A Possible Early Indicator of COVID-19 Epidemic Recurrence. Int. J. Environ. Res. Public Health. https://doi.org/10.3390/ijerph17092986

Slovic, A.D., Tomasiello, D.B., Giannotti, M., Andrade, M. de F., Nardocci, A.C., 2019. The long road to achieving equity: Job accessibility restrictions and overlapping inequalities in the city of São Paulo. J. Transp. Geogr. https://doi.org/10.1016/j.jtrangeo.2019.06.003

Stankov, I., Garcia, L.M.T., Mascolli, M.A., Montes, F., Meisel, J.D., Gouveia, N., Sarmiento, O.L., Rodriguez, D.A., Hammond, R.A., Caiaffa, W.T., Diez Roux, A. V., 2020. A systematic review of empirical and simulation studies evaluating the health impact of transportation interventions. Environ. Res. https://doi.org/10.1016/j.envres.2020.109519

World Health Organization, 2018. Ambient (outdoor) air quality and health [WWW Document]. URL https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/ambient-(outdoor)-air-quality-and-health (accessed 4.8.19).

World Health Organization, 2016. Ambient Air Pollution: A global assessment of exposure and burden of disease, World Health Organization.

Wu, X., Nethery, R.C., Sabath, M.B., Braun, D., Dominici, F., 2020. Exposure to air pollution and COVID-19 mortality in the United States: A nationwide cross-sectional study Xiao. J. Chem. Inf. Model. https://doi.org/https://doi.org/10.1101/2020.04.05.20054502

Autores: Patrick Connertona, João Vicente de Assunçãob, Regina Maura de Mirandac, Anne Dorothée Slovicb, Pedro José Pérez Martínezd, Helena Ribeirob

Filiação dos autores:

a Doutorado em Saúde Global e Sustentabilidade. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

b Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

c Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.

d Departamento de Infraestrutura e Meio Ambiente, Escola de Engenharia, Arquitetura e Desenho Urbano, Universidade Estadual de Campinas.