O estudo dá o primeiro passo para compreender o efeito do ultraprocessamento de alimentos no risco de câncer.
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Um estudo publicado pela British Medical Journal (BMJ), uma das mais influentes e conceituadas publicações sobre medicina no mundo, evidencia uma associação estatística entre a ingestão de alimentos ultraprocessados e o risco de casos de câncer de mama e de casos de câncer em geral.
Estudos adicionais são necessários, mas os resultados deste estudo sugerem que o comprovado rápido aumento do consumo de alimentos ultraprocessados ”pode conduzir a uma carga crescente de câncer nas próximas décadas”, alertam os pesquisadores.
Alimentos ultraprocessados incluem salgadinhos de pacote, refrigerantes, ‘cereais matinais’ açucarados, refeições prontas e produtos de carne reconstituída, que tipicamente contêm altos níveis de açúcar, gordura e sal e pouco ou nada de vitaminas e fibras. Esses produtos representam até 50% da ingestão total de energia diária em vários países desenvolvidos.
Estudos anteriores, ainda em pequeno número, têm ligado alimentos ultraprocessados a riscos mais elevados de obesidade, hipertensão arterial e dislipidemias.
O estudo foi realizado por uma equipe de pesquisadores baseados na França e contou com a colaboração do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), coordenado pelo Prof. Dr. Carlos Augusto Monteiro, Professor Titular do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.
Segundo o Prof. Monteiro, que é um dos co-autores da publicação “este artigo de pesquisadores franceses mostra pela primeira vez uma associação entre consumo de alimentos ultra-processados (uma categoria de alimentos proposta pelo Nupens em 2009) e risco de câncer de mama e do conjunto de cânceres.”
As conclusões do estudo são baseadas na análise de questionários on-line respondidos por 104,980 adultos saudáveis franceses (22% homens; 78% mulheres) com uma idade média de 43 anos, concebidos para medir a ingestão usual de 3.300 itens alimentares diferentes (NutriNet- Santé coorte).
Os alimentos foram agrupados de acordo com a classificação NOVA, desenvolvida pelo Nupens/USP para agrupar alimentos segundo a extensão e propósito do seu processamento industrial e os casos de câncer foram identificados a partir de declarações dos participantes validados por registros médicos e bases de dados nacionais durante um tempo médio de cinco anos.
Vários fatores de risco conhecidos para o câncer, como idade, sexo, escolaridade, história familiar de câncer, tabagismo e níveis de atividade física, foram levados em conta nas análises.
Os resultados mostram que um aumento de 10% na proporção de alimentos de ultraprocessados na dieta estava associado com um aumento de 12% no risco de câncer em geral e de 11% no risco de câncer da mama.
Nos testes não houve associação significativa entre os alimentos menos processados (tal como vegetais enlatados, queijos e pão acabado de fazer sem embalagem) e o risco de câncer, enquanto que o consumo de alimentos frescos ou minimamente processados (frutas, vegetais, legumes, arroz, massas, ovos, carnes , peixe e leite) foi associada com menores riscos de câncer em geral e câncer da mama.
Este é um estudo observacional, então não há conclusões definitivas que podem ser tiradas sobre causa e efeito, e os pesquisadores apontam para algumas limitações. Por exemplo, eles não podem descartar alguns erros de classificação de alimentos ou garantir a detecção de todos os casos novos de câncer. No entanto, a amostra do estudo era grande e eles foram capazes de ajustar para uma gama de fatores potencialmente influentes.
“Em nosso conhecimento, este estudo é o primeiro a detectar um aumento no risco de câncer – e especificamente no risco de câncer de mama – associado com a ingestão de alimentos ultraprocessados “, escrevem os autores.
Eles salientam que são necessários mais estudos para entender melhor a relação entre o processamento de alimentos e o risco de câncer. Ainda assim, os resultados deste estudo indicam que a prevenção do câncer demanda políticas visando à reformulação, tributação e restrições à comercialização de produtos de ultraprocessados e ações que promovam o consumo de alimentos frescos ou minimamente processados.
- Veja aqui, o artigo na íntegra;
- Veja aqui, o editorial da BMJ sobre a pesquisa.