“Não estamos negociando só a quantidade de gases de efeito estufa que vai para atmosfera. São todos os efeitos ou não efeitos que podem ter na vida das pessoas”. A fala de Giulia Machado, graduanda do curso de Saúde Pública na Faculdade de Saúde Pública da USP, ilustra a pouca presença de discussões voltadas à saúde nas Conferências do Clima, as COPs.

A COP 29 aconteceu no Azerbaijão, um país economicamente dependente de combustíveis fósseis (Reprodução/Associação Engajamundo)
Ativista da organização Engajamundo, a estudante, que faz Iniciação Científica no Departamento de Saúde Ambiental sobre poluição do ar, esteve em Baku, no Azerbaijão, durante a realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2024 (COP 29), em novembro, e sentiu a falta de debates ligados à saúde. Para ela, muitas outras pautas também deveriam ser centrais. “Tudo está relacionado e eu acho que as questões ambientais passam por tudo, incluindo a vida das pessoas”, diz.
Um sintoma dessa escassez de assuntos impactados pela crise climática como a saúde, é que apenas na COP-28, realizada em Dubai, em 2023, foram incluídas, explicitamente, mesas temáticas com interfaces com o ambiente. Na ocasião, saúde, energia e agricultura foram destaque nos dias temáticos voltados para cada tópico.
Para Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e referência em pesquisas sobre mudanças climáticas, o tema da saúde de fato é novo nas COPs. “Porém, há uma tendência global de integrar a agenda do clima com a perda de biodiversidade e saúde humana e ecossistêmica”, diz.
Das enchentes no Rio Grande do Sul aos deslizamentos de terra no litoral paulista, os efeitos das mudanças no clima e eventos extremos afetam diretamente a qualidade da vida. Giulia enfatiza que as questões ambientais estão presentes em tudo, incluindo saúde pública e nutrição. “Se você mora numa área de risco para deslizamentos, isto pode afetar muitos aspectos da vida. Por exemplo, a alimentação e a segurança alimentar podem ser impactadas. Isso pode ocorrer em áreas atingidas por enchentes, ou mesmo em eventos de seca”, ela diz.
Em Baku, a bacharelanda promoveu ações de protesto com demandas e denúncias da juventude brasileira representando o time de ativismo do Engajamundo. A organização é uma rede de jovens que buscam impactar o entorno onde vivem, desde a Rio+20. A participação em COPs é frequente, com grupos separados em três linhas: ativismo, advocacy e comunicação.

Giulia protestou contra a grilagem de terras, o greenwashing e o agronegócio que vêm destruindo terras indígenas (Reprodução/Associação Engajamundo)
A aluna ficou contente porque “incomodou muita gente” com suas ações de ativismo, mas considera que as Conferências não estão sendo eficientes. “A COP é um ambiente que não está funcionando. Os líderes que estão lá não colocam a emergência climática como uma real emergência. Eu moro na periferia, estou lá sofrendo todos os dias com várias questões e essas pessoas não estão nesses locais.”
Neste ano, o Brasil vai sediar a COP 30 em Belém (PA), em novembro. Criou-se bastante expectativa na última conferência e Giulia destaca uma fala direcionada aos governantes locais brasileiros que promoveu no Azerbaijão: “Remetemos muito à frase ‘keep your promises’ (cumpra suas promessas). Eu espero que na COP do ano que vem, sendo aqui no Brasil, ofereça mais espaço para a sociedade civil e essa é uma das coisas que estão prometendo.”
Paulo Artaxo também expressa expectativas de mudanças para a conferência em território nacional e a inclusão de assuntos como a saúde de forma mais explícita nos debates. “Espero que na COP-30 no Brasil esses temas estejam mais integrados.”
A estudante também criticou a ajuda oferecida ao Sul Global pelos países ricos. “Parece muito mas não é nada. Só para reconstruir o Rio Grande do Sul já foram mais de 17 milhões de dólares”, ela observa.
Na Conferência, os países ricos fecharam um acordo de US$300 bilhões por ano, até 2035, para os países em desenvolvimento combaterem e mitigarem a crise do clima. Até mesmo o Secretário-Geral das Nações Unidas esperava um resultado mais ambicioso, para que o planeta consiga manter a meta de limitar o aumento da temperatura global, que estava fixada em 1,5º Celsius.
Por outro lado, em 2024, a temperatura global ultrapassou pela primeira vez o limite de 1,5º Celsius, definido no Acordo de Paris. O aumento chegou a 1,6º Celsius em relação aos níveis pré-industriais, registrados entre 1850 e 1900.