Diretora de Ciência e Educação da Federação Mundial da Obesidade, a cientista participou de webinar promovido pelo Nupens
Ao contrário das imagens comumente veiculadas pela mídia, pessoas com obesidade não precisam ser associadas a comportamentos sedentários (Foto: World Obesity Federation)

A epidemiologia nutricional mostra que, em geral, a qualidade da alimentação piorou nas últimas décadas, no Brasil e no mundo. A queda do consumo de alimentos frescos teve — e tem — reflexo direto na saúde humana, o que é observado no aumento da prevalência de doenças crônicas.

A obesidade é uma das condições de saúde que têm atingido cada vez mais pessoas. Segundo o Projeto Global de Carga de Doenças, que contabiliza dados de 195 países e envolve milhares de pesquisadores, a prevalência de obesidade subiu de 7% a 12,5%, entre 1980 e 2015. O dado representa um aumento de quase 80%.

Quem vive com obesidade enfrenta, ainda, o desafio do estigma. “A discriminação em relação ao peso é o último preconceito ainda socialmente aceitável”, diz Olivia Barata Cavalcanti. Ela aponta que, diferentemente de outras naturezas de discriminação, a gordofobia ainda passa despercebida em ações cotidianas — inclusive por profissionais de saúde. 

Diretora de Ciência e Educação da Federação Mundial da Obesidade, Cavalcanti participou do mais recente webinar promovido pelo Nupens, Obesidade e estigma: implicações na produção e difusão do conhecimento em saúde pública. A conversa foi idealizada e mediada por Maria Laura Louzada, pesquisadora do Núcleo e professora da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Veja a íntegra do webinar:

MÍDIA E ESTIGMA

Cavalcanti comenta que o estigma é, em grande parte, alimentado pela forma como as pessoas com obesidade são retratadas pela mídia. “Mais de dois terços das imagens que acompanham relatos de sobrepeso alimentam o preconceito”, disse.

Em geral, pessoas com obesidade têm seus rostos cortados em fotos, e aparecem sempre em posições sedentárias, sentados em frente à TV, consumindo alimentos não saudáveis, em um cenário de tristeza ou isolamento. Ela enfatiza o fato de que estas pessoas poderiam ser retratadas como qualquer outra, ingerindo alimentos saudáveis ou praticando atividade física.

Para combater o estigma por este viés, a Federação Mundial da Obesidade criou um banco de imagens adequadas para representar este público (de onde tiramos a foto que ilustra este texto).

Para além das imagens, a mídia veicula ideias erradas sobre o tema. “O retrato sobre obesidade é tendencioso e inconsistente”, diz Cavalcanti. “Fala-se, por exemplo, que a cirurgia bariátrica é uma saída fácil, e que a escolha é fruto da fraqueza do indivíduo. No entanto, evidências mostram que o procedimento é uma terapia eficaz e importante, além do fato de que menos de 1% das pessoas que podem se submeter à cirurgia acabam, de fato, fazendo-o.”

CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS

O estigma em relação à obesidade tem uma série de outras causas. É comum que se atribua à pessoa obesa a responsabilidade pessoal sobre a condição, bem como a possibilidade de controlar o peso, o que é falso. Hoje, sabe-se que a obesidade é uma condição multifatorial, com grande influência do ambiente sobre o indivíduo: a exposição a alimentos ultraprocessados e ao marketing é um exemplo.

Em sua fala no webinar, Cavalcanti uma campanha que tinha como objetivo reduzir os índices de obesidade. A mensagem, no entanto, não mencionava a influência do ambiente, apenas reforçava a ideia de que a saída estava nas escolhas do indivíduo. “Não se trata de incentivar a comer menos e se mexer mais, mas de falar sobre iniciativas como a alteração da rotulagem de alimentos ou a melhora do acesso à comida saudável.”

Há, ainda, uma ausência de legislação que proíba a discriminação em relação ao peso — o que faz com que o estigma pareça aceitável e tolerável.

Todos estes fatores levam, é claro, a uma série de consequências. Elas afetam as pessoas com obesidade desde o início da vida, quando há uma carga intensa de bullying nas escolas, até a discriminação na fase adulta. No ambiente de trabalho, por exemplo, Cavalcanti comenta que há uma percepção de baixa competência, diferenças salariais, menor potencial de liderança e menor probabilidade de conseguir emprego, entre outras dificuldades.

OBESIDADE É DOENÇA?

Uma das questões mais controversas sobre a obesidade é a sua classificação, ou não, como doença. A especialista comenta que, do ponto de vista científico, a obesidade é, sim, uma patologia. Em um estudo que contou com sua participação, ela ouviu das próprias pessoas com obesidade sobre os benefícios da classificação.

“Entender a obesidade como uma doença faz com que o paciente saiba que a condição está fora de seu controle, e que não se trata de falta de disciplina”, diz. “Ajuda, também, no acesso aos tratamentos e nas possibilidades de falar com médicos sobre o tema.”

Cavalcanti aceita, no entanto, que ativistas questionem a classificação da obesidade como uma doença, já que é verdade que existem pessoas com Índice de Massa Corporal elevado e, ao mesmo tempo, bom estado de saúde. Para ela, a ideia entra no debate entre a saúde individual e a saúde coletiva. “Em uma análise populacional, a obesidade leva a uma série de complicações. De qualquer forma, é importante trazer pessoas com obesidade para o diálogo.”