
Nas últimas semanas, um projeto de “revisão” da classificação Nova de alimentos, sem a anuência dos pesquisadores que criaram o conceito, ganhou repercussão internacional. Carlos Monteiro, pesquisador do Nupens/USP, afirmou para a Reuters que “O que está acontecendo neste caso não é um esforço para refinar a Nova, mas sim uma tentativa de criar uma classificação paralela sob o pretexto enganoso de ser uma ‘nova geração’ da Nova – uma Nova 2.0”.
Leia a matéria completa, traduzida para o português, abaixo:
Como um projeto financiado pela Fundação Novo Nordisk provocou uma disputa sobre alimentos ultraprocessados
LONDRES, 12 de março (Reuters) – Um projeto financiado pela Fundação Novo Nordisk para reformular a maneira como o mundo entende os alimentos ultraprocessados gerou controvérsia entre cientistas, provocando um intenso debate sobre o sistema de classificação desses produtos e potenciais conflitos de interesse.
O professor Carlos Monteiro e seus colegas no Brasil cunharam o termo “alimentos ultraprocessados” (UPFs, na sigla em inglês) há cerca de 15 anos. Desde então, o conceito se popularizou globalmente como parte do sistema de classificação Nova, que categoriza alimentos de acordo com seu nível de processamento.
Porém, algumas indústrias e certos cientistas argumentam que o sistema Nova é simplista demais. Em fevereiro, a Fundação Novo Nordisk anunciou um novo projeto em seu site — posteriormente editado — alegando que era hora de repensar e refinar o conceito de ultraprocessados.
O projeto, liderado por Susanne Bügel, pesquisadora da Universidade de Copenhague, não incluiu Monteiro e sua equipe, nem teve vínculos com suas pesquisas. Diante disso, Monteiro publicou uma carta aberta no final de fevereiro, alertando sobre os riscos de confusão que um sistema com um nome similar poderia causar, além do perigo de descredibilizar a classificação Nova e os pesquisadores do Sul Global.
“O que está acontecendo neste caso não é um esforço para refinar a Nova, mas sim uma tentativa de criar uma classificação paralela sob o pretexto enganoso de ser uma… ‘nova geração’ da Nova – uma Nova 2.0”, disse Monteiro à Reuters na sexta-feira.
Diante das críticas, a equipe de pesquisa liderada por Tanja Kongerslev Thorning e Susanne Bügel, da Universidade de Copenhague, anunciou que retiraria as referências aos alimentos ultraprocessados e à Nova do projeto, mas manteria seu objetivo central. “Além disso, o objetivo geral não foi alterado”, disse Bügel à Reuters por e-mail, acrescentando que a intenção do estudo é reunir pesquisadores para examinar cientificamente uma classificação de alimentos baseada no processamento e no teor de nutrientes.
Monteiro e outros cientistas também criticaram o financiamento do projeto pela Fundação Novo Nordisk. A fundação é dona da maior parte das ações com direito a voto da farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, que recentemente obteve lucros bilionários com medicamentos populares para obesidade e diabetes. Além disso, Monteiro e outros cientistas apontaram relações entre membros do projeto e a indústria de alimentos.
A Fundação Novo Nordisk afirmou em um comunicado à Reuters que não vê conflito de interesse. “Estamos apoiando um projeto de pesquisa pública independente, que esperamos que possa criar novos conhecimentos sobre a classificação de alimentos com base no processamento e no teor de nutrientes”, disse a fundação. A entidade também declarou que suas decisões de financiamento são totalmente independentes da farmacêutica.
Bügel disse à Reuters que uma pequena parte de um trabalho anterior, separado deste projeto, havia sido financiada pela indústria de alimentos, mas afirmou que sua pesquisa sempre foi independente e que declarou seus interesses no site do projeto.
Monteiro disse que não participaria do projeto.
Monteiro e Arne Astrup, chefe de nutrição da Fundação, já entraram em conflito anteriormente sobre os UPFs em uma revista de destaque. Astrup argumentou que o termo corria o risco de demonizar alimentos saudáveis e acrescentava pouco às diretrizes já existentes.
Monteiro afirma que muitos estudos mostraram que o consumo de UPFs está associado a dietas de baixa qualidade, além de um aumento em doenças e mortes, acrescentando que os mecanismos exatos e interligados para isso precisam de mais pesquisas.
A Fundação recusou o pedido da Reuters para entrevistar Astrup.
Uma postagem no blog do site da Fundação havia removido referências ao Nova 2.0 quando foi revisada pela Reuters esta semana. O British Medical Journal, que havia sido convidado para moderar um workshop como parte do projeto, disse que não participaria.
Para ler a matéria original, em inglês, acesse o site da Reuters.