Texto originalmente publicado na revista Veja Saúde

Patrícia Jaime*

Quem ainda não conhecia o Guia Alimentar para a População Brasileira, provavelmente o conheceu em meados de setembro do ano passado. À época, o Guia sofreu ataques para que suas orientações fossem alteradas, principalmente no que diz respeito ao consumo de produtos ultraprocessados. O episódio culminou em uma ampla defesa do documento pela sociedade civil.

A reação aos ataques não foi surpreendente. Desde sua publicação, em 2014, o Guia tem impacto na qualidade da alimentação nacional (por meio das políticas públicas estruturadas a partir dele) e estrangeira (por meio da influência sobre outros guias mundo afora, que se inspiram nos preceitos da edição brasileira). Vale lembrar sua regra de ouro: “Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados”.

Ao longo de seus sete anos de publicação, a ciência da epidemiologia nutricional avançou no mundo todo, e confirmou a validade das orientações. Uma série de estudos conduzidos em instituições renomadas de países como Estados Unidos, Reino Unido, França, Espanha e Austrália provaram o que o Guia já adiantava: o consumo de alimentos ultraprocessados está associado a um maior risco de desenvolver doenças crônicas como diabetes, obesidade, hipertensão e até mesmo câncer.

Apesar de bem-sucedido, o documento tinha um grande desafio. Com orientações baseadas em um sólido conjunto de evidências científicas, o Guia propõe uma abordagem coletiva — como seu nome indica, ele é voltado para a população brasileira. Como, então, aplicar seus preceitos no cuidado em saúde de indivíduos?

Esta ponte para o ambiente clínico foi construída em janeiro, com o lançamento dos Protocolos de uso do Guia Alimentar. O trabalho é resultado de uma parceria entre o Ministério da Saúde, o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) e a Organização Pan-Americana da Saúde.

Na prática, os protocolos dão apoio e qualificação ao uso do Guia Alimentar por profissionais de saúde, que passam a contar com uma metodologia para fazer um breve diagnóstico alimentar dos pacientes e fazer recomendações para melhorar a qualidade das escolhas alimentares. As publicações foram pensadas para profissionais da Atenção Primária à Saúde (a porta de entrada dos pacientes ao SUS), mas também podem beneficiar especialistas do setor privado.

A coleção é formada por cinco fascículos, sendo cada um voltado para uma fase específica da vida. Dois deles já foram lançados (para pessoas adultas e para pessoas idosas). Até o fim deste ano, estão previstas as publicações que versam sobre crianças em idade escolar, adolescentes e pessoas gestantes.

Em linhas gerais, os protocolos recomendam que o atendimento nutricional seja iniciado com uma avaliação do consumo alimentar. Nesta etapa, o paciente indica que alimentos têm entrado em sua dieta, destacando as opções in natura (como feijões, frutas e verduras) e ultraprocessados (é o caso, por exemplo, de biscoitos recheados ou cereais matinais).

Depois disso, o profissional segue um fluxograma para orientar o paciente, valorizando as práticas alimentares adequadas e saudáveis ou fazendo recomendações para impactar hábitos potencialmente prejudiciais à saúde. O Guia alimentar para a População Brasileira é o referencial técnico que embasa as orientações que o protocolo organiza.

Os protocolos oferecem um conjunto de recomendações comuns a todos os pacientes. Encoraja-se, por exemplo, o consumo de feijão — a leguminosa faz parte da cultura alimentar brasileira, além de melhorar a saciedade e ter bom aporte nutricional. Por outro lado, recomenda-se evitar bebidas adoçadas, que acabam por substituir a ingestão de água e levar ao consumo exagerado de açúcar, além de aditivos como aromatizantes e corantes.

Estas diretrizes gerais convivem com orientações específicas, focada na fase do ciclo da vida representada em cada fascículo. No atendimento a um paciente idoso, por exemplo, fala-se sobre verificar as condições odontológicas (com atenção às possíveis dificuldades de mastigação e deglutição) ou mesmo atentar para a sobrecarga da mulher idosa com as tarefas relacionadas à produção de refeições.

Com a publicação dos protocolos, a expectativa é a de que o Guia Alimentar para a População Brasileira tenha seu uso potencializado nos serviços de saúde. E que seus preceitos impactem positivamente a alimentação e a saúde dos brasileiros.

*Patrícia Jaime é professora titular do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) e vice-coordenadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP