Alimentação na infância: período é crítico para garantir melhores
condições de saúde durante toda a vida (foto: Andrea Piacquadio/Pexels)

A boa nutrição é importante em todas as fases da vida, mas pode-se dizer que existe um período crítico. A infância, contando desde o nascimento da criança até os momentos posteriores ao estirão, é um momento de crescimento rápido e constante em que o organismo precisa de uma boa alimentação para evoluir com segurança.

O consumo de ultraprocessados, muitas vezes induzido pelo trabalho maciço de publicidade da indústria de alimentos, acaba, no entanto, tendo impacto negativo na alimentação infantil. Pesquisas mostram que, no Reino Unido, 65% das calorias ingeridas por crianças no ensino fundamental vêm de alimentos ultraprocessados, como bolos, biscoitos, bebidas gaseificadas e salgadinhos de pacote.

De olho no impacto da má alimentação na saúde infantil, o Grupo Europeu de Obesidade Infantil fez uma análise sobre o contexto dos ultraprocessados na nutrição de crianças. O documento, que teve apoio de alguns dos cientistas do Nupens, pode ser lido na íntegra (em inglês), mas elencamos os principais pontos de ação.

Impactos na amamentação

Evidências científicas mostram que baixas taxas de amamentação na primeira hora de vida (a chamada hora dourada), a não exclusividade do aleitamento materno no primeiro semestre de vida ou o desmame precoce estão relacionados à incorporação de alimentos ultraprocessados na infância.

A adoção deste tipo de alimento acaba por reduzir os momentos de alimentação adequada, já que a criança provavelmente terá menos apetite para o leite materno. Pesquisas ainda são necessárias para entender se a decisão de incluir ultraprocessados na alimentação é de escolha informada da mãe, ou se é efeito de ações de marketing de grandes organizações.

Impactos a longo prazo

O que se come na infância não tem consequências apenas neste primeiro estágio da vida, mas pode transformar a saúde de uma pessoa a longo prazo. Uma nutrição inadequada nesta fase pode causar doenças que surgem da deficiência nutricional, além de desenvolver sobrepeso e quadros de obesidade.

Para além da obesidade, há riscos maiores de aumento da circunferência abdominal (indicador ligado a vários desfechos de saúde indesejados), hipertensão, distúrbios gastrointestinais e até mesmo câncer de mama. Algumas pesquisas sugerem, inclusive, uma relação entre a dieta de crianças e adolescentes que se alimentam de ultraprocessados e o comprometimento de seu rendimento acadêmico.

A indústria e os incentivos

Apesar do grande número de evidências científicas que comprovam o poder nocivo dos alimentos ultraprocessados, esses produtos continuam integrando a dieta infantil global — e com tendências de aumento. Para o Grupo Europeu de Obesidade Infantil, o motor deste tipo de alimento é composto por ações políticas e acordos comerciais, que apoiam e facilitam a entrada de corporações transnacionais de alimentos na cadeia global de alimentos.

Soma-se a isso uma inércia política de diversos países, que não avançam significativamente na implementação de regulações sobre ultraprocessados, como taxações de determinados produtos ou restrições de publicidade e revisões de rótulos com informações nutricionais.

Compras em família: publicidade e rotulagem são maneiras de atrair crianças
ao consumo de produtos ultraprocessados (foto: Gustavo Fring/Pexels)

Publicidade

Em diversos países, o poder das corporações foi capaz de driblar os padrões nutricionais de refeições escolares, fazendo com que seus produtos ganhassem cada vez mais espaço. Mesmo com algumas restrições de marketing televisivo, a chegada dos meios digitais de comunicação permitiu à indústria dar vazão às suas estratégias de venda em um território ainda não muito regulado.

A publicidade por meio de redes sociais e websites é suportada por uma gama ainda maior de recursos, como a gamificação e a segmentação do público por meio de informações como seu local de moradia e seu comportamento de consumo. Tudo isso ajuda a criar uma base leal de clientes que passa a dar cada vez mais preferência a produtos nutricionalmente vazios e inadequados.

Uma guerra desleal

Em um contexto que abrange atividades políticas e econômicas, o Grupo Europeu de Obesidade Infantil afirma que estabelecer uma alimentação saudável para as crianças é um desafio até mesmo para os pais mais motivados. Alegando conveniência, longo prazo de validade e o uso de argumentos como “sem glúten” ou “orgânico”, os ultraprocessados acabam sendo atraentes para uma grande base de consumidores.

O impacto do alto consumo de ultraprocessados não é apenas de caráter biológico, como mencionado nos tópicos anteriores. Por meio destes produtos, a indústria altera culturas, mudando os hábitos alimentares, reduzindo as capacidades de cozinhar e a frequência das refeições em família.

Política, ação e ciência

A saída para reduzir o consumo de ultraprocessados passa por um posicionamento claro de evitar ativamente a sua ingestão, o que pode ser feito por meio da formulação de políticas, da criação de programas e do estímulo às pesquisas científicas sobre o tema.

Segundo o Grupo, políticas efetivas poderiam taxar alimentos e bebidas, facilitando a escolha do consumidor. Da mesma forma, a comercialização destes produtos poderia ser regulada em instituições de ensino e até em áreas próximas a elas. Programas de educação nutricional e até mesmo intervenções de educação culinária poderiam colaborar com a disseminação de uma dieta baseada em alimentos in natura. Por fim, o investimento na ciência teria um grande papel no monitoramento das práticas da indústria de alimentos e no melhor entendimento dos determinantes do consumo de ultraprocessados.

Muitas outras ações poderiam ter impacto positivo na saúde pública. Leia a íntegra do artigo (em inglês).