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No Brasil, as causas mais profundas da mortalidade por COVID-19 se sobrepõem: além de raça e cor, pobreza, moradia e falta de serviços também entram na conta

Moradores equilibram-se em “ruas” de palafita em Altamira, Pará, Brasil                                       FOTO: Valter Campanato/Agência Brasil

Artigo pioneiro na revista The Lancet Global Health, assinado por Pedro Baqui, do Núcleo de Astrofísica e Cosmologia da  Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), sobre o impacto desproporcional da mortalidade sobre as populações pretas e pardas do Brasil devido à COVID-19, recebeu Comentário de professores da FSP-USP, em artigo publicado no dia 3 de julho, na mesma revista científica.

Em “Ethnic and regional variations in hospital mortality from COVID-19 in Brazil: a cross-sectional observational study”, Baqui e colaboradores confirmam no Brasil “os achados observados em outros países atingidos com força pelo COVID-19: que as taxas de mortalidade por pandemia diferem por região geográfica e etnia, com impacto desproporcional para as populações negras e outras minorias étnicas”, segundo Comentário assinado pela professora Helena Ribeiro, do Departamento de Saúde Ambiental da FSP, professor Eliseu Waldman, do Departamento de Epidemiologia da FSP, e Viviana Mendes Lima, do Laboratório de Estudos das Cidades do Departamento de Planejamento Urbano e Regional da Universidade do Vale do Paraíba, em São José dos Campos (SP).

Os resultados são discutidos no contexto dos protestos sociais ocorridos nos últimos meses contra o racismo estrutural,  com o slogan “vidas negras importam”. No entanto, no  Comentário ao artigo de Baqui, os autores vão além da etnia e discutem os determinantes sociais e ambientais da saúde para regiões do Brasil que representam cerca de 50% dos brasileiros, conforme o artigo, intitulado “In the COVID-19 pandemic in Brazil, do brown lives matter?”

A partir de dados de mortalidade hospitalar do COVID-19 do Sistema de Informação Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), Baqui e colegas compõem um estudo observacional transversal e avaliam as variações regionais em pacientes com COVID-19 internados em hospitais, por estado e por duas regiões socioeconômicas – Norte e Centro-sul. A etnia dos pacientes foi categorizada segundo as cinco categorias utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): branco, preto, amarelo, indígena ou pardo (etnia mista). Descobriram que, em relação aos brasileiros brancos, a etnia parda foi o segundo fator de risco mais importante para a morte, após a idade. Na região Norte, os pacientes hospitalizados tinham maior risco de morte pela doença do que os hospitalizados da região Centro-sul. Um índice calculado para o Rio de Janeiro mostrou taxas de mortalidade semelhantes às dos estados da região Norte.

“Acrescentamos a esses achados que as taxas de incidência também foram mais altas nas regiões Norte. A especulação de que o novo coronavírus com síndrome respiratória aguda grave teria transmissão mais branda em baixas latitudes atrasou as ações nas regiões Norte. Porém, historicamente, essas áreas enfrentam vários desafios que afetam diretamente sua capacidade de responder à pandemia do COVID-19: escassez de médicos e intensivistas; vigilância epidemiológica frágil; rede mais pobre de serviços de saúde do que em outras regiões; e menos equipes de saúde da família, leitos hospitalares e número de unidades de terapia intensiva (UTI) por habitante do que em outras regiões”, traz o Comentário ao artigo de Baqui.

Segundo o texto, as discussões sobre etnia e variações regionais devem ser integradas, não apenas porque os estados do Norte e o Rio de Janeiro têm proporções mais altas de populações pardas e pretas, mas também porque as causas profundas da maior mortalidade estão se sobrepondo.

O artigo de Helena Ribeiro e colaboradores mostra que a porcentagem de famílias de baixa renda vivendo em moradias subnormais, com maior número médio de indivíduos por quarto, é mais elevada nas regiões Norte do que na região Centro-sul e maior entre as famílias de população parda e preta, do que nas famílias brancas. “Essas condições favorecem a circulação intensa de patógenos respiratórios. Bairros de baixa renda também apresentam maior densidade populacional e baixa adesão às medidas de distância social. Nestes bairros frequentemente quentes e lotados, as ruas e calçadas têm importância cultural e se tornam parte do espaço de convivência. Além disso, a menor escolaridade nas regiões Norte e entre as populações parda e preta pode comprometer a compreensão dos riscos e medidas propostas pelas autoridades sanitárias, bem como o julgamento da hora certa para procurar assistência médica”, mostra o texto.

Além disso, as populações urbanas da região Norte podem ter maior dificuldade em seguir as recomendações sanitárias mais simples como lavar as mãos, por exemplo, porque a proporção de saneamento urbano naquela região é menor, traz o artigo da professora Helena e colaboradores.

 

Leia os artigos na íntegra:

“In the COVID-19 pandemic in Brazil, do brown lives matter?”

“Ethnic and regional variations in hospital mortality from COVID-19 in Brazil: a cross-sectional observational study”

 

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil  – sem alterações

Legenda: Moradores equilibram-se em “ruas” de palafita em Altamira, Pará, Brasil