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Estudo inovador faz uma análise das narrativas sobre a escassez hídrica no Brasil

Volume morto na represa Jaguari-Jacareí, do Sistema Cantareira. Foto: Mídia NINJA/ (com alteração de tamanho)

De que forma as narrativas sobre escassez de água no Brasil podem influenciar ou perpetuar processos de tomada de decisão? Ou mesmo, legitimar soluções, incluir ou excluir as necessidades de grupos sociais específicos? Em um estudo inovador, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Durham University, Reino Unido, realizam uma análise das narrativas sobre a escassez hídrica no Brasil, destacando sua importância na formulação de políticas públicas.

O artigo “Assessing water scarcity narratives in Brazil – Challenges for urban governance” (em tradução livre: Narrativas da crise hídrica no Brasil face às ameaças da emergência climática global”), que acaba de ser publicado no periódico Environmental Development, examina as narrativas sobre escassez de água no Brasil e identifica aquelas que perpetuam e apoiam pontos de vista estratégicos.

Os pesquisadores determinam quais tipos de narrativas possuem maior poder de persuasão e coordenação, fornecendo informações valiosas sobre o poder das narrativas de escassez hídrica, seu impacto na formulação de políticas públicas e o imperativo de práticas de gestão de água inclusivas e sustentáveis.

Com a utilização de ferramentas avançadas de classificação de texto e aprendizado de máquina (machine learning), os pesquisadores realizaram uma análise abrangente de um extenso conjunto de dados textuais de artigos jornalísticos brasileiros publicados entre 2010 e 2021.

A abordagem, baseada no processamento de linguagem natural, permitiu uma exploração aprofundada das diversas narrativas que cercam a questão no Brasil. As descobertas revelam uma variedade de tipologias de narrativas que trazem diferentes perspectivas sobre a problemática.

Entre as tipologias, destacam-se as que enfatizam a narrativa institucionalizada – a (má) gestão, o aumento do desmatamento e fatores causais, como a redução das chuvas na explicação para a escassez da água. É interessante observar que algumas dessas narrativas tendem a minimizar a responsabilidade dos governos locais na gestão eficaz da água, alinhando-se com perspectivas centradas no clima.

O estudo também identifica a apropriação política de certas narrativas, incluindo aquelas negacionistas que minimizam a gravidade da escassez de água e enfatizam sua abundância desse recurso vital.

Em contrapartida, as narrativas de justiça hídrica chamam a atenção para os desafios do acesso limitado à água e da infraestrutura inadequada, uma questão de grande preocupação durante a pandemia de COVID-19, enfatizando a necessidade urgente de distribuição equitativa de água e de melhorias na infraestrutura.

Vale lembrar que no período entre 2014 e 2016, a região Sudeste do Brasil enfrentou uma crise hídrica sem precedentes, colocando em risco a saúde e o bem-estar de uma grande parcela da população. Esse evento, associado a condições extremas de variabilidade climática, revelou a vulnerabilidade significativa de algumas das regiões mais dinamicamente econômicas do país. Além disso, expôs profundas desigualdades e a fragilidade dos sistemas metropolitanos e econômicos, que dependem fortemente de recursos hídricos.

O Brasil, uma potência hídrica e agrícola, enfrenta ameaças cada vez maiores devido à emergência climática global. A dependência aos regimes hidrológicos torna o país especialmente vulnerável. Nesse contexto, os eventos climáticos extremos, como secas rigorosas e chuvas intensas, colocam o país em constante alerta para o risco de impactos profundos e sistêmicos.

O artigo é resultado de pesquisa de pós-doutoramento financiado pela FAPESP (processo 2017/17796-3) e faz parte do projeto de pesquisa temático Macroamb, que investiga a complexidade e a governança ambiental da Macrometrópole Paulista frente às mudanças climáticas. Nesse contexto, a escassez hídrica desempenha um papel importante na delimitação das interdependências e vulnerabilidades em um território composto por 174 municípios paulistas, abrigando uma população de 34 milhões de habitantes. O projeto Macroamb recebeu financiamento da FAPESP por meio do processo n. 2015/03804-9, e esta publicação também recebeu apoio pelo processo Fapesp 21/07399-2.

 

Título original em inglês:
Assessing water scarcity narratives in Brazil – Challenges for urban governance

Título em português:
Narrativas da crise hídrica no Brasil face às ameaças da emergência climática global