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Idosos tendem a subestimar o consumo energético diário quando relatam o que comem, mostra pesquisa da FSP-USP

Um dos maiores desafios nos inquéritos de alimentação e nutrição é a coleta acurada de dados de consumo alimentar da população. Portanto, chegar a resultados fidedignos em pesquisa alimentar, tendo por base aquilo que o paciente relata, nem sempre é tarefa fácil. Com essa questão em mente, o Grupo de Pesquisa em Avaliação do Consumo Alimentar (GAC/USP), que tem a Profª Regina Mara Fisberg como pesquisadora responsável, acaba de trazer à luz valiosas contribuições para elucidar essa questão metodológica. 

Fruto da dissertação de mestrado da atual doutoranda pela FSP-USP Laís Duarte Batista, o artigo “Misreporting of dietary energy intake obtained by 24 h recalls in older adults: a comparison of five previous methods using doubly labeled water”, mostrou que 57,9% dos idosos entrevistados relataram um consumo de energia abaixo da ingestão diária. O trabalho acaba de ser publicado no European Journal of Clinical Nutrition,  uma das renomadas revistas científicas do grupo Nature.

De acordo com os autores, mesmo com diversos métodos disponíveis na literatura para avaliar o chamado relato  implausível de energia, ainda não existe um método considerado mais adequado ou acurado em comparação aos demais.

“Daí a importância de investigar o desempenho de diferentes métodos nas populações de interesse. No caso, escolhemos estudar idosos porque a literatura tem mostrado que nesse público há uma maior prevalência de relato implausível de ingestão reportada e, além disso, é uma população mais vulnerável a problemas decorrentes de inadequação alimentar e nutricional, que vão da desnutrição à obesidade” afirma Laís.

Foram utilizados dados de 38 idosos, de ambos os sexos, que tiveram o gasto energético total mensurado pela técnica da água duplamente marcada (ADM). A água duplamente marcada é considerada a técnica padrão-ouro ou método de referência para mensuração do gasto energético total dos indivíduos. Logo, em condição de peso estável, ou seja, quando o indivíduo não está ganhando ou perdendo peso, adota-se a premissa de que o consumo total de energia é equivalente ao gasto energético total.Assim, com essa medida de referência, é possível comparar os valores de energia que os participantes relataram consumir e verificar se esses valores estão abaixo ou acima do mensurado.

O sub-relato ou a subnotificação da ingestão de alimentos são alguns dos problemas mais frequentes que podem levar a erros na avaliação dietética. Neste artigo, os resultados mostram, com um intervalo de 95% de confiança, que houve uma prevalência de sub-relato de 57,9%, ou seja, 57,9% dos idosos entrevistados relataram consumir uma quantidade de energia abaixo do valor real teoricamente ingerido. Já para o super-relato, ou seja, o relato acima das quantidades que foram efetivamente consumidas, a prevalência foi apenas de 5,3%.

De acordo com a pesquisadora, uma das limitações do método da água duplamente marcada é que a técnica apresenta alto custo e complexidade, que usualmente não está disponível no dia a dia e, principalmente, em estudos epidemiológicos populacionais. Portanto, essa avaliação direta entre o consumo relatado e o valor mensurado não é possível em contextos de ausência da ADM. Nesses casos, as pesquisas se baseiam em métodos preditivos para estimativa do relato plausível da ingestão de energia, ou seja, equações que tentam predizer esse erro de mensuração. Porém, qual o método mais acurado? Essa foi a pergunta condutora deste estudo.

Dentre diversos métodos utilizados para estimar o relato implausível, os autores buscaram comparar cinco equações preditivas que foram publicadas previamente e testar a performance desses métodos nessa amostra de idosos. O relato implausível obtido pelo método de referência foi comparado com as equações preditivas de Goldberg et al., Black, McCrory et al., Huang et al. e Rennie et al. 

Os resultados mostraram que a equação de Black apresentou a pior concordância, enquanto o método proposto por McCrory et al. a melhor concordância em classificar os indivíduos nas categorias de relato implausível. O método de McCrory et al. também teve o melhor desempenho nas análises de sensibilidade e especificidade para detecção de sub-relato em comparação ao método de referência obtido com a água duplamente marcada.

Como conclusão, os pesquisadores encontraram uma grande variação na precisão dos métodos preditivos para determinar relato implausível, com nenhum dos protocolos mostrando concordância excelente comparada à classificação obtida pela ADM.

Lais Duarte ressalta que os resultados contribuem no desenvolvimento e aperfeiçoamento de ferramentas que auxiliam na condução criteriosa de inquéritos alimentares sobre alimentação e saúde. Vale lembrar que a epidemiologia nutricional é a área da saúde pública em nutrição que proporciona evidências sobre o papel da nutrição na saúde dos indivíduos.

Além dos autores do estudo e membros do Grupo de Pesquisa em Avaliação do Consumo Alimentar, o estudo contou com a contribuição do Laboratório de Espectrometria de Massa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMR-USP) e contou com financiamentos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).