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Milho, Caatinga e Sementes Crioulas: o sabor e a resistência nas festas juninas

Por Ana Maria Bertolini¹, Jennifer Gomes² e Patrícia Aquino Nagamine³

Quando chega o mês de junho, o Brasil inteiro se veste de festa. As bandeirinhas colorem os céus, as fogueiras aquecem as noites mais frias, e o milho brilha de diversas formas na mesa: pamonha, canjica, curau, bolo, milho cozido e assado, entre outros preparos típicos dessa época do ano. Mas por trás dessa tradição popular das festas juninas, existe uma história de resistência, cultura e biodiversidade – que começa na Caatinga brasileira há muitos anos.

Estudos arqueológicos encontraram grãos e restos carbonizados de milho em sítios arqueológicos localizados no Cerrado e Caatinga, demonstrando seu cultivo e consumo por comunidades indígenas muito antes da chegada dos europeus ao Brasil. Nos dias atuais, no sertão nordestino, agricultores familiares mantêm viva essa herança por meio do cultivo de milhos crioulos com variedades tradicionais adaptadas ao clima seco, ao solo raso e às longas estiagens da Caatinga. Diferente das sementes comerciais, esses milhos possuem cores, tamanhos e sabores diversos, frutos de seleção cuidadosa feita ao longo de gerações.

A celebração do milho nas festas juninas também significa celebrar a sabedoria agrícola, construída por comunidades que aprenderam a cultivar a vida em meio às adversidades climáticas.

A Caatinga, apesar de ser um dos biomas mais ameaçados do Brasil, abriga uma rica biodiversidade alimentar, com espécies que sustentam práticas culinárias, medicinais e agrícolas únicas. Alguns alimentos como a fava, feijão de corda, jerimum, mandioca, umbu, mandacaru e o próprio milho, caracterizam essa biodiversidade resiliente, agregam a cultura alimentar com valor nutricional e cultural.

Preservar essa biodiversidade é fundamental para a segurança alimentar local e nacional. Espécies locais adaptadas às condições climáticas do bioma, exigem menos insumos e podem se mostrar mais resilientes frente às condições extremas relacionadas à crise climática.

As sementes crioulas carregam memórias, autonomia e diversidade. Conforme a tradição, essas sementes são selecionadas, guardadas, multiplicadas e trocadas por agricultores familiares, quilombolas e povos indígenas. Livres de transgênicos, podem ser plantadas por gerações, ao contrário de sementes comerciais que exigem insumos industriais e limitam a autonomia agrícola.

Os bancos de sementes crioulas, reconhecidos como “cofres vivos” da agricultura tradicional, são espaços que servem para proteção e preservação das sementes. Dois exemplos são:

Esses bancos de sementes garantem acesso à ancestralidade e preservam os modos de vida locais, promovendo troca de saberes, fortalecimento comunitário e agroecologia de base familiar. 

Além das iniciativas comunitárias, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) desempenha um papel fundamental no fortalecimento dos bancos de sementes crioulas da Caatinga. A ASA é uma rede formada por organizações da sociedade civil que atuam no semiárido com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável e a convivência com o clima da região. Um de seus eixos estratégicos é justamente a valorização da agrobiodiversidade, com o apoio direto à criação e manutenção de bancos comunitários de sementes crioulas em centenas de municípios.

No entanto, celebrar o milho nas festas típicas é mais do que festejar a fartura: é valorizar o conhecimento ancestral, a autonomia camponesa e a riqueza agrícola brasileira. Em tempos de monoculturas, perda de biodiversidade e mudanças climáticas, os bancos de sementes crioulas e a cultura alimentar da Caatinga são formas poderosas de resistência.

Para celebrar, o Sustentarea trouxe uma receita para compartilhar com você! Que tal um bolo cremoso com fubá crioulo? Segue abaixo os ingredientes e o modo de preparo.

BOLO CREMOSO DE FUBÁ CRIOULO

Ingredientes:

  • 3 xícaras de Leite Integral
  • 3 ovos
  • 1 xícara de Fubá Crioulo
  • 1 1/2 xícara de açúcar
  • 3 colheres de sopa de Farinha de Trigo
  • 2 colheres de manteiga
  • 120g de queijo meia cura
  • 1 colher de sopa de fermento químico

Modo de Preparo:

  1. Em um recipiente, adicione o leite, a manteiga em temperatura ambiente e os ovos.
  2. Mexa até incorporar os ingredientes e adicione o açúcar.
  3. Em seguida coloque o fubá crioulo, farinha de trigo e o queijo.
  4. Finalize adicionando o fermento químico.
  5. Em uma forma untada com
  6. Fubá, despeje o preparo e coloque no forno para assar.
  7. Forno pré aquecido a 180 graus.
  8. Assar por 35 minutos.

Bom apetite!


REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Beatriz de; FREITAS, Leonardo Borges de. Arqueobotânica nos Cerrados e Caatinga: evidências de uso de plantas domésticas e silvestres. Revista Brasileira de Arqueologia, v. 28, n. 2, p. 201–223, 2015. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/332562057_Arqueobotanica_nos_Cerrados_e_Caatinga_Evidencias_de_Uso_de_Plantas_Domesticas_e_Silvestres. Acesso em: 27 jun. 2025.

ALBUQUERQUE, Ulysses P.; MEDEIROS, Patrícia M. de. A Caatinga e o uso de recursos vegetais: subsídios para a conservação. Revista Biociências, v. 13, n. 1, p. 61–69, 2007. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/339/33907002.pdf. Acesso em: 27 jun. 2025.

ALBUQUERQUE, Ulysses P. et al. Caatinga revisited: Ecology and conservation of an important seasonal dry forest. The Scientific World Journal, v. 2012, p. 1–18, 2012. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/236030357_Albuquerque_et_al_2012_Caatinga_revisited. Acesso em: 27 jun. 2025.

EMBRAPA. Sementes crioulas e biodiversidade agrícola na Caatinga. Petrolina: Embrapa Semiárido, 2019. (Relatório técnico). Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1114739. Acesso em: 27 jun. 2025.

FAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION. Guidelines for the conservation and sustainable use of crop wild relatives and landraces. Roma: FAO, 2013. Disponível em: https://www.fao.org/3/i5026e/i5026e.pdf. Acesso em: 27 jun. 2025.

OLIVEIRA, Ana Cláudia Dias de et al. Avaliação de acessos de milho crioulo coletados na região central do Brasil. Revista Brasileira de Milho e Sorgo, v. 9, n. 3, p. 265–275, 2010. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/183246/1/avaliacao-milho-crioulo.pdf. Acesso em: 27 jun. 2025.

SOARES, Andréia C. et al. Milho crioulo: conservação e uso da biodiversidade. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1998. Disponível em: https://rd.uffs.edu.br/bitstream/prefix/2527/1/BURG.pdf. Acesso em: 27 jun. 2025.

VIEIRA, Juliana Santos et al. Diversidade de sementes de milho crioulo no Território da Borborema (PB). Cadernos de Agroecologia, v. 14, n. 1, 2019. Disponível em: https://cadernos.aba-agroecologia.org.br/cadernos/article/view/3838. Acesso em: 27 jun. 2025.

SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. Uso sustentável e conservação dos recursos florestais da Caatinga. Brasília: MMA/SFB, 2010. Disponível em: https://www.gov.br/florestal/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-diversas/Usosustentveleconservaodosrecursosflorestaisdacaatinga.pdf. Acesso em: 27 jun. 2025.


¹Ana Maria Bertolini é nutricionista e Doutoranda em Saúde Global e Sustentabilidade pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), com período de estágio sanduíche no Barcelona Institute for Global Health.

²Jennifer Gomes é bióloga, Mestranda em Agroecossistemas pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR.

³Patrícia Aquino Nagamine é profissional na área de Gastronomia, formada em Cozinheiro Chef Internacional pelo SENAC SP, com especialização em Gastronomia Funcional, atua como Personal Chef e em Restaurantes.

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