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Creches como espaço de proteção, promoção e apoio ao aleitamento materno

Ouça esse texto através do áudio gravado por Ana Garbin

“É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança.”

Esse potente e real provérbio africano já vale desde a gestação.

Afinal, cuidar de uma criança demanda tempo, amor, dedicação e, definitivamente, não é responsabilidade apenas da mãe. Essa nova família precisa de muito apoio emocional e auxílio nas tarefas básicas do dia a dia, já que a dinâmica muda significativamente.

É uma nova rotina que se soma a variações hormonais e aos desafios de garantir uma alimentação adequada ao desenvolvimento da criança seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, juntamente com o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e o Ministério da Saúde que é:

“amamentar a criança já na  primeira hora de vida e por 2 anos ou mais sendo que, nos primeiros 6 meses de idade, a recomendação é que ela receba somente o leite materno e depois desse período ele seja oferecido como complemento a outras refeições saudáveis”.

Já está mais do que provado pela ciência que o aleitamento materno traz diversos benefícios:

Para a Criança:

  • contribui para melhor nutrição da criança; 
  • menor risco de morte no primeiro ano de vida;
  • favorece o desenvolvimento de mecanismos para a proteção contra alergias e infecções como otites, pneumonia, diarreias;
  • previne doenças crônicas não transmissíveis como hipertensão, hipercolesterolemia, diabetes e obesidade em fases seguintes do curso da vida; 
  • propicia o desenvolvimento adequado da cavidade oral da criança, beneficiando a dentição saudável e a fala;
  • garante melhor desenvolvimento neurológico;
  • além de ser de fácil digestibilidade e não sobrecarregar o intestino e os rins do bebê.

A mãe que amamenta seu bebê também se beneficia com: 

  • melhora da evolução do puerpério, pois aciona o sistema hormonal que atua no fortalecimento do aparelho reprodutor feminino;
  • protege contra o câncer de mama, de ovário, endométrio, e diabetes tipo 2;
  • ajuda na perda de peso;
  • evita a osteoporose;
Imagem do Canva

Além de promover o vínculo afetivo entre mãe e filho.

E os benefícios não param nessa dupla.

Toda a sociedade é beneficiada já que a amamentação:

  • contribui para menor custo financeiro para as famílias, evitando despesas com fórmulas, mamadeiras, bicos, e gás de cozinha, água e energia elétrica;
  • promove a saúde integral tanto da mãe como da criança, prevenindo distúrbios nutricionais de grande impacto para a coletividade e para a saúde pública.
  • gera menos impacto ambiental, uma vez que não será necessária a mobilização de toda uma cadeia produtiva e de distribuição de fórmulas infantis e utensílios.

Mesmo com todos os benefícios que a amamentação traz para TODOS, amamentar tem sido praticamente um ato de resistência.

Uma família que opta por essa fonte natural de nutrição encontra desafios desde o nascimento desse bebê, já que muitas vezes não recebe, nem no hospital, um suporte adequado para ajustes iniciais tanto do bebê quanto da mãe que acaba sendo encorajada, de forma precoce e com frequência, a optar por alternativas ao leite materno.

O ambiente familiar, também pode ser carregado de influências das gerações que pouco amamentaram e que podem desestimulam essa mãe a amamentar, durante um período tão delicado como é o pós parto.

E as barreiras não param por aí…

As mulheres estão cada vez mais inseridas no mercado de trabalho, e seu retorno da licença-maternidade (quando ela possui o benefício), muitas vezes é acompanhado de desafios, angústias e de grande incidência de desmame precoce.

Nesse momento, a creche e os empregadores são, ou deveriam ser, uma importante rede de apoio,

Entretanto pouco se vê uma estrutura consolidada de incentivo à amamentação nesses espaços.

Podemos citar o desencontro entre a realidade das trabalhadoras brasileiras de possuírem apenas quatro meses de licença maternidade e a recomendação da OMS sobre o período de seis meses de aleitamento materno exclusivo.

Apesar deste evento ser um marco importante e que tem grande potencial de desmame precoce, as informações estatísticas relacionadas ao desmame no retorno ao trabalho são escassas.

Segundo o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil, ENANI 2019, a prevalência nacional de crianças menores de seis meses em aleitamento materno exclusivo foi de 45,8%.

Ou seja, menos da metade das crianças brasileiras são amamentadas de forma exclusiva com leite materno no período recomendado pela OMS.

O estudo de Brasileiro e colaboradores (2010), realizado na cidade de Piracicaba (SP), investigou se programas de incentivo ao aleitamento materno ajudam a prevenir o desmame precoce entre filhos de mães trabalhadoras e concluiu que,

para uma boa relação entre essas mães trabalhadoras e os programas, o apoio por profissionais de saúde treinados nesses espaços fortalece a rede de apoio do aleitamento materno. 

Corroborando com essa pesquisa, outro trabalho, realizado por Almeida e colaboradores (2022)  avaliou a influência desse retorno ao trabalho em enfermeiras demonstrando que os principais motivos para esse desmame precoce podem estar relacionados com a:

  • falta de apoio no ambiente de trabalho;
  • a necessidade de local e tempo adequado para ordenha do leite materno;
  • a diminuição na produção de leite induzida pelos fatores inerentes ao trabalho;
  • bem como a sobrecarga e os ambientes insalubres em que estão inseridas. 

Dessa forma, a identificação desses dificultadores possibilita melhor compreensão e aponta para

necessidade de estratégias inovadoras, visando à garantia dos direitos e adequações laborais dos ambientes de trabalho.

Na análise de revisão literária de Gabriel e colaboradores (2021), evidenciou-se que

a falta de apoio de creches e inexistência de postos de coleta de leite materno dificultaram a manutenção da amamentação concomitante ao retorno da mulher ao trabalho, resultando no processo de desmame precoce.  

“O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas à medida privativa de liberdade”.

artigo 9 do Estatuto da  Criança e do Adolescente (ECA)

Assim como outras políticas públicas que tocam esse tema como:

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) Art. 389 relata que os estabelecimentos com mais de 30 mulheres, são obrigados a conceder um espaço adequado, para que as empregadas guardem e assistam a seus filhos durante a amamentação.

No artigo 396 da CLT, a referência é em relação ao direito que a  lactante tem, de dois intervalos de 30 (trinta) minutos cada, para amamentar, até que o bebê complete os 06 meses de idade, ou a sair uma hora mais cedo do trabalho para amamentar.

Alguns municípios como São Paulo e Rio de Janeiro, através das Leis nº 16.161 de 13/04/2015 e nº 7.115/2015 respectivamente, garantem o direito à amamentação em qualquer estabelecimento público ou privado.

A Lei Federal nº13.872, de 17 de setembro de 2019, estabelece o direito das mães amamentarem durante a realização de concursos públicos, na administração pública direta e indireta dos Poderes da União (PALÁCIO, 2019). 

É possível observar avanços, porém  ainda não são suficientes para atender as necessidades, urgentes, das famílias.

Empregadores e creches precisam andar de mãos dadas no fortalecimento dessa rede de apoio, entretanto para as creches não existe uma legislação única e específica de incentivo e apoio a essas famílias quanto a amamentação.

Niterói (Lei Municipal 3.641/2021) e Sorocaba (Lei Municipal n° 11.679/2018), possuem legislação própria que regulamenta a presença de leite materno nos Centros Educacionais infantis (CEI’s), por meio do estabelecimento do direito de acesso das mães às creches públicas para amamentar seus bebês, bem como o direito de entregar o seu leite nas creches para oferta ao bebê.

Já o município de São Paulo possui um projeto de leite (PL 416/2016) que regulamenta a entrada das mães nas CEI’s para amamentar, extrair leite materno ou entregar leite materno, contudo este projeto ainda não foi votado. 

Junto com todos os esforços em prol desse incentivo existem também alguns desafios já que não são todos os CEI`s que estão familiarizados com essa rotina. 

Mesmo nos CEI’s que recebem capacitação e treinamento para o recebimento, é comum o relato de mães que tiveram alguma dificuldade para que o leite materno fosse aceito (tais como recusa à solicitação de encaminhamento médico ou de nutricionista para recebimento do leite materno). 

A saída tem sido através de algumas campanhas de incentivo e apoio como o selo CEI Amigo do Peito, que acontece no Município de São Paulo desde 2018 com o  fortalecimento, promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno na Rede Municipal de Ensino, através da participação em eventos, premiações, eventos científicos importantes e ações conjuntas com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS).

CEI`s com esse selo:

  • garantem o livre acesso das mães a estrutura da creche;
  • disponibilizam espaços confortáveis e seguros para que essa mãe possa amamentar ou ordenhar o leite;
  • Possuem pias para que elas possam manipular esse leite em frasco tampado e identificado com o nome da criança e data da coleta. 
  • possuem refrigerador para armazenamento do leite na temperatura adequada
  • Encorajam as famílias na amamentação prolongada
  • Desencorajam o uso de bicos que podem confundir a criança

Existe a possibilidade de contato direto com os organizadores, por meio do e-mail ceiamigodopeito@sme.prefeitura.sp.gov.br em caso de sugestões ou dúvidas.

Indicadores levantados nessas Unidades de Educação Infantil da Cidade de São Paulo mostram avanços no último ano desse programa:

Imagens disponibilizadas pelo CODAE durante Webinar de entrega do Selo CEI Amigo do peito em 24/08/22

Os desafios se mostram ainda presentes, indicando bastante trabalho pela frente.   

Conforme mostra o resultado do monitoramento  das ações do CEI amigo do peito, o uso de mamadeira por bebês de 0 a 1 ano é ainda o principal utensílio para oferta de leite materno, prática que gera a confusão de bicos e muitas vezes o desmame precoce.

Imagens disponibilizadas pelo CODAE durante Webinar de entrega do Selo CEI Amigo do peito em 24/08/22

Essa demanda apontada pela Coordenadoria de Alimentação Escolar (CODAE)  direcionou a parceria com o coletivo organizador do Agosto Dourado-2022 da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) que, durante suas ações, colocou luz no papel das creches em fortalecer, educar e apoiar a amamentação, em consonância com a temática proposta pela Semana Mundial de Aleitamento Materno (SMAM-2022).

A nutricionista Laís Folha Peccia, Mestre em Ciências pela FSP, representando o coletivo,  abordou o tema

“Utensílios para oferta de leite materno”

durante o Webinar de entrega do selo CEI Amigo do Peito 2022 da CODAE -Secretaria Municipal de Educação de São Paulo que contou com mais de 400 pessoas:

Para enfatizar ainda mais a importância de utilizar outros utensílios na oferta de leite materno de maneira segura, o coletivo, com o apoio do Leite Materno na Escola (LEME) e da Comissão de Cultura e Extensão (CCEx) da Faculdade de Saúde Pública (FSP/USP) criou um cartaz para ajudar as equipes dos CEI’s na manipulação de utensílios alternativos às mamadeiras, evitando assim o desmame por conta da confusão de bicos e de fluxo.

Clique na Imagem para fazer o Download do Cartaz distribuí-lo ajudando a fortalecer a rede de apoio à amamentação.

Durante o evento, também foi ao ar o episódio “Construindo redes de apoio na amamentação”  no podcast Saúde é Pública, da FSP:

Você também pode ouvir esse podcast no Youtube da FSP

Nele Viviane Laudelino, nutricionista de Unidade Básica de Saúde e criadora do Canal Maternidade sem Neura, junto com a Enfermeira Thaís Rojas e Juliana Luzio, nutricionista e consultora de amamentação no LEME dividem suas experiências pessoais e profissionais no quesito amamentar um bebê.

Além das escolas, gestantes, famílias, estudantes, profissionais de áreas diversas, receberam apoio para entender um pouco mais sobre quão essencial é a amamentação através de atividades como:

Flavia, filha da Jaqueline Lopes Pereira pinta o irmão Gabriel na Barriga da mãe durante Oficina de Pintura de Barriga conduzida por Celia Regina Maganha e Melo, Daniela Novais Higasa e graduandas em Obstetrícia da EACH/USP no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza
Roda de conversa sobre como ter autonomia na sua história de amamentação nos tempos atuais conduzida pela Nutricionista Laís Folha Peccia no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza
A Nutricionista Viviane Laudelino durante roda de conversa sobre introdução alimentar no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza
Seminário: “O aleitamento materno no Brasil e o marketing de produtos que competem com a amamentação” que aconteceu no auditório João Yunes
Webinário: “ A importância do conhecimento sobre saúde materno infantil na graduação do profissional de saúde e a inserção desse tema nos projetos políticos pedagógicos dos cursos de nutrição, saúde pública e enfermagem da USP”.

Além disso, considerando que as pesquisas e as evidências científicas produzidas pela comunidade acadêmica são fundamentais para a promoção, proteção e apoio ao Aleitamento Materno, os organizadores do Agosto Dourado da FSP-USP compilaram algumas pesquisas mais recentes com o objetivo de difundir esse conhecimento.

As ações do Agosto Dourado 2022 – FSP USP  aconteceram em parcerias com diferentes setores como:

Divisão de Produção Digital da FSP-USP (DVPDIGI-FSP), 

Comissão de Cultura e Extensão Universitária (CCEx), 

Pelo Instagram do CRNutri você consegue acompanhar um pouco mais tudo que aconteceu e ainda irá acontecer no Agosto Dourado da FSP: https://www.instagram.com/crnutri/

Assim vamos finalizando esse mês, oficialmente instituído como mês do Aleitamento Materno no Brasil, pela Lei nº 13.435/2017, que reforça e intensifica as ações intersetoriais de conscientização e esclarecimento sobre a importância do aleitamento materno.

Por isso o Dourado do seu nome.

Para remeter ao padrão ouro de qualidade do leite materno. 

Foi em 1990, que a OMS e o UNICEF criaram a “Declaração de Innocenti”, impulsionando a fundação da Aliança Mundial de Ação Pró-Amamentação (WABA, em inglês) e em seguida a Semana Mundial de Aleitamento Materno (SMAM) que a cada ano explora um tema e lança materiais que são traduzidos em 14 idiomas com a participação de cerca de 120 países.

Maristela Benassi da IBFAN apresentando o tema: Avanços e desafios no monitoramento da NBCAL durante o Seminário  em 18/08/2022 promovido pela VIII Encontro para Promoção, Proteção e Apoio à Amamentação da FSP/USP 
Foto de Lais Folha

Seja você também protagonista no fortalecimento da amamentação.

Encaminhe esse material para uma família, creche ou empresa, para que possamos cada vez mais fortalecer essa rede de apoio tão potente e importante na criação das crianças.

Esse texto foi escrito à várias mãos por:

Ana Garbin

Mãe, Eng de Alimentos, cofundadora da Alimenteia, membra do Sustentarea e parte do Grupo de Extensão do Agosto Dourado FSP USP 2022.

Gabriela Martins

Nutricionista Materno Infantil, Especialista em aleitamento materno (UNIFESP) e Mestre em Saúde Pública (USP)

Laís Folha Peccia

Nutricionista, Mestre em Ciências pela FSP, consultora de amamentação e organizadora do Agosto Dourado da FSP

Luisa M. Simmer

Nutricionista graduada pela UFES, Mestranda em Nutrição e Saúde pelo PPGNS/UFES e parte do Grupo de Extensão do Agosto Dourado FSP USP 2022.

Viviane Laudelino

Nutricionista com mestrado e doutorado pela USP na área de nutrição infantil. É pesquisadora e supervisora no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza da FSP/USP. Atende bebês, mães e gestantes, além de promover cursos de introdução alimentar. Depois de se tornar mãe da Manu, milita na defesa da amamentação e da saúde materno-infantil.

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